Ele diz, por exemplo: a vontade é um “afeto”, a vontade é uma “paixão”, a vontade é um “sentimento”, a vontade é um “comando”. GA6MAC I
A caracterização da vontade como “afeto” e como coisas do gênero não fala, porém, a partir do âmbito da alma e dos estados anímicos? Afeto, paixão, sentimento e comando não são algo a cada vez diverso? Isso que é aqui aduzido para o esclarecimento da essência da vontade não precisa estar ele mesmo antes suficientemente claro? Ora, mas o que é mais obscuro do que a essência do afeto, da paixão e da diferença entre os dois? Como é que a vontade pode ser tudo isso ao mesmo tempo? É difícil suplantar essas questões e reservas ante a interpretação nietzschiana da essência da vontade. GA6MAC I
Nietzsche também denomina a vontade uma “paixão” ou um “sentimento”. GA6MAC I
Aqui, precisamos perguntar: 1) O que Nietzsche tem, afinal, em vista ao acentuar o caráter de afeto, de paixão e de sentimento da vontade? 2) Quando acreditamos que podemos afirmar que o conceito idealista de vontade não tem nada a ver com o conceito nietzschiano de vontade, o que compreendemos por idealismo? Na passagem que acabamos de citar, Nietzsche diz: todos os afetos são “configurações” da vontade de poder. GA6MAC I
Em que medida a vontade de poder é a forma originária de afeto, ou seja, em que medida ela é aquilo que constitui absolutamente o ser do afeto? O que é um afeto? Nietzsche não dá quanto a isso nenhuma resposta clara e exata, assim como não responde à pergunta sobre o que é uma paixão e o que é um sentimento. GA6MAC I
A resposta dada por ele (“configurações” da vontade de poder) não nos leva imediatamente adiante, mas nos coloca diante de uma tarefa: procurar vislumbrar pela primeira vez a partir do que é conhecido como afeto, paixão e sentimento aquilo que caracteriza a essência da vontade de poder. GA6MAC I
Como devemos tomar então a essência do afeto, da paixão e do sentimento? Como devemos tomar essa essência de modo a torná-la frutífera para a interpretação da essência da vontade no sentido nietzschiano? Nós não desdobraremos aqui nossa consideração senão até o ponto em que ela é necessária para a iluminação da caracterização nietzschiana da vontade de poder. GA6MAC I
De acordo com isso, a vontade é, então, apenas um “epifenômeno” do efluxo de força, um sentimento de prazer que acompanha? Como isso se coaduna com o que foi dito no todo sobre a essência da vontade, e, em particular, a partir da comparação com o afeto e com a paixão? Lá a vontade veio à tona como o que suporta e domina propriamente, como equivalente ao próprio assenhorear-se; agora ela precisa ser rebaixada ao nível de um sentimento de prazer que simplesmente acompanha algo diverso? Em tais passagens podemos ver com clareza o quão despreocupado Nietzsche ainda se acha em relação a uma apresentação uniformemente fundamentada de sua doutrina. GA6MAC I
Se é verdade que a vontade de poder é o caráter fundamental de todo ente e se Nietzsche determina agora a vontade como um sentimento paralelo de prazer, então essas duas concepções da vontade não são sem mais compatíveis. GA6MAC I
Dessa forma, só resta uma saída: dizer que essa determinação da vontade como um sentimento paralelo de prazer, uma determinação inicialmente estranha segundo o que foi apresentado até aqui, não pode ser nem a definição essencial da vontade, nem uma definição entre outras; não resta senão dizer que ela aponta muito antes para algo que pertence essencialmente à essência plena da vontade. GA6MAC I
Dessa forma, a vontade tem aquele caráter do sentimento, do manter aberto o estado mesmo. GA6MAC I
Com isso, a vontade pode ser tomada como um “sentimento que compele”. GA6MAC I
Se aqui o sentimento e a vontade são tomados como uma “consciência”, como um “saber”, então se mostra aí da forma mais incisiva possível aquele momento da abertura de algo no interior da própria vontade. GA6MAC I
Na medida em que a vontade mesma tem, contudo, aquela pluralidade de figuras já indicada que é intrínseca ao querer-para-além-de-si; e na medida em que tudo isso se torna manifesto na totalidade, pode-se constatar o seguinte: na vontade esconde-se uma multiplicidade de sentimentos. GA6MAC I
O fato de Nietzsche designar a vontade ora como afeto, ora como paixão, ora como sentimento significa: Nietzsche vê algo mais uniforme, mais originário e ao mesmo tempo mais rico por trás da palavra rudimentar “vontade”. GA6MAC I
O que se conhece de outro modo como afeto, paixão e sentimento é, para Nietzsche, no fundo de sua essência, vontade de poder. GA6MAC I
Assim, ele toma “a alegria” (normalmente um afeto) como um “sentir-se-mais-forte”, como um sentimento inerente ao ser-para-além-de-si e ao poder-para-além-de-si: “Sentir-se mais forte – ou, expresso de outra maneira: a alegria – sempre pressupõe uma comparação (mas não necessariamente uma comparação com outros, senão consigo mesmo, em meio a um estado de crescimento e sem que se saiba de antemão até que ponto se está comparando – )” (Vontade de poder, 917). GA6MAC I
Se não se considera tudo isso desde dentro, mas, sim, desde fora, com o auxílio do critério do conhecimento e da teoria da consciência usuais – quer essa teoria seja idealista ou realista –, então se passa a declarar o conceito nietzschiano de vontade como um conceito emocional, apreendido a partir da vida dos sentimentos e, por isso, ao mesmo tempo um conceito biológico. GA6MAC I
É fácil apresentar uma prova para essa afirmação; só precisamos prosseguir na leitura imediatamente subsequente da passagem em que Nietzsche diz que a vontade consiste em uma multiplicidade de sentimentos: “Assim como o sentir, e, em verdade, o sentir multifacetado, precisa ser reconhecido como um ingrediente da vontade, o pensamento também precisa ser reconhecido em um segundo momento: em todo ato de vontade há um pensamento que comanda. GA6MAC I
Podemos agora – parece mesmo que precisamos – reunir a série de determinações da essência da vontade trazidas paulatinamente à tona e agrupá-las em uma única definição: vontade como o assenhoreamento sobre… que se estende para além de si, vontade como afeto (o acometimento excitante), vontade como paixão (o arrebatamento expansivo em direção à amplitude do ente), vontade como sentimento (disposição para ater-se-a-si-mesmo) e vontade como comando. GA6MAC I
Segundo Nietzsche, a sentença ego cogito, ergo sum não é senão uma “hipótese” que foi assumida por Descartes, porque foi ela que entregou “a ele ao máximo o sentimento de poder e de segurança (A vontade de poder, n 533, 1887)”. GA6MAC V
A “vontade de poder” ainda expressa “um sentimento de falta”. GA6MAC VI
Como devemos compreender a “vontade de poder” no sentido de Nietzsche? A vontade é considerada como uma faculdade da alma, uma faculdade que a consideração psicológica já delimitou há muito em contraposição ao entendimento e ao sentimento. GA6MAC VI