Isso só é possível porque a vontade mesma – vista com relação à essência do homem – é o acometimento puro e simples que viabiliza em geral que nós, quer dessa ou daquela maneira, possamos estar e estejamos mesmo efetivamente para além de nós mesmos. GA6MAC I
Nietzsche diz em A vontade de poder (n 702): “o que o homem quer, o que cada mais mínima parte de um organismo vivente quer é um plus de poder” / “Tomemos o exemplo mais simples, o exemplo da alimentação primitiva: o protoplasma estende seus pseudópodes para procurar por algo que se lhe contraponha – não por fome, mas por vontade de poder. GA6MAC I
Segundo o conceito comum, desinteresse é indiferença ante uma coisa ou um homem: não colocamos nada de nossa vontade na ligação com a coisa e com o homem. GA6MAC I
Ele se decidiu em verdade pelas duas, tanto pela vontade de desumanização do ente na totalidade quanto pela vontade de levar a sério o fato de o homem estar preso a um canto. GA6MAC II
Em meio a esse cálculo não levamos mais em consideração o fato de nós, enquanto um si próprio temporal entregue à responsabilidade por si mesmo, estarmos entregues à responsabilidade do futuro em nossa vontade e de só a temporalidade do ser humano determinar o modo como o homem afinal se encontra nesse anel do ente. GA6MAC II
Como nos tornamos o que somos? Ecce homo não pronuncia como a sua derradeira vontade que as pessoas se ocupem com ele, com esse homem, e que digam a partir dele o que preenche os capítulos do escrito: “Por que sou tão sábio. GA6MAC III
Contra a sua mais íntima vontade, Nietzsche se tornou o instigador e promotor de uma intensa autodecomposição anímica, corporal e espiritual e de uma encenação do homem que, por fim, tem indiretamente como consequência um espetáculo público que transcorre desmesuradamente em “imagens e sons” por meio da fotografia e da reportagem: um fenômeno de caráter planetário que, segundo o seu conteúdo essencial, mostra exatamente os mesmos traços na América e na Rússia, no Japão e na Itália, na Inglaterra e na Alemanha, e que é curiosamente independente da vontade dos indivíduos, do modo de ser dos povos, dos estados, das culturas. GA6MAC III
Se a justiça é a “suprema representante da própria vida” e se a vontade de poder se torna propriamente manifesta na vida humana, então a extensão da justiça ao estado de poder fundamental do ente em geral e a interpretação integral do ente na totalidade como vontade de poder não se transforma em uma antropomorfização de todo ente? O mundo não é pensado segundo a imagem do homem? Tal pensamento não é um puro antropomorfismo? Com certeza – ele é o antropomorfismo do “grande estilo” que possui um sentido para o que é raro e dura muito tempo. GA6MAC III
Mas por meio de que homem então? Com o niilismo, isto é, com a transvaloração de todos os valores até aqui em meio ao ente enquanto vontade de poder e em face do eterno retorno do mesmo, torna-se necessário um novo estabelecimento da essência do homem. GA6MAC V
Assumir o niilismo como “estado psicológico” quer dizer então: ver o niilismo como uma figura da vontade de poder, como o acontecimento no qual o homem é histórico. GA6MAC V
No entanto, como o caráter fundamental do ente na totalidade, a vontade de poder é, ao mesmo tempo, a determinação da essência do homem. GA6MAC V
Nesse fragmento, na seção B, Nietzsche formula expressamente a questão: de onde provém a nossa crença nos valores cosmológicos? A resposta é: ela provém da vontade do homem de assegurar um valor para si mesmo. GA6MAC V
A sentença significa, por conseguinte: os valores e a sua transformação, ou seja, a instauração de valores, quer se trate da desvalorização, da transvaloração ou da nova instauração dos valores, definem-se a cada vez a partir do tipo respectivo de vontade de poder, que determina, por sua vez, aquele que instaura os valores, isto é, o homem, no modo de seu ser-homem. GA6MAC V
A vontade que quer esse “homem bom” é uma vontade de submissão aos ideais como uma submissão a algo que subsiste em si e sobre o que o homem não deve ter mais poder algum. GA6MAC V
A vontade que quer o “homem bom” e seus ideais é uma vontade de poder desses ideais e, com isso, uma vontade de impotência do homem. GA6MAC V
A vontade que quer o homem bom também é, em verdade, vontade de poder, mas sob a figura da impotência para o poder do homem. GA6MAC V
A vontade que quer o “homem bom” e o “bem” entendido nesse sentido é a vontade “moral”. GA6MAC V
A ingenuidade é, em si, falta de vontade de poder porque lhe falta o conhecimento de que o posicionamento do mundo segundo a imagem do homem e por meio do homem é o único modo verdadeiro de toda interpretação de mundo, e, por isso, o posicionamento para o qual a metafísica precisa finalmente se direcionar de maneira decidida e sem reservas. GA6MAC V
Já o escrito Para além do hem e do mal (1886), no qual Nietzsche se exprime pela primeira vez de maneira coerente sobre a sua doutrina da vontade de poder, mostra o papel de critério de medida da autoexperiência humana e o primado da autodação do homem junto a toda interpretação de mundo: “Suposto que nada é ‘dado’ como real além de nosso mundo dos desejos e paixões, que não podemos descer ou ascender a nenhuma outra ‘realidade senão justamente a realidade de nossos impulsos – pois pensar é apenas um comportamento desses impulsos uns em relação aos outros será que não é permitido fazer a experiência e colocar a questão sobre se esse ‘dado’ não é suficiente para compreender a partir de seu similar o assim chamado mundo GA6MAC V
Começamos a suspeitar o quão decididamente o pensamento valorativo enquanto contabilização de todo ente segundo o valor fundamental da vontade de poder já tem por sua base essencial o fato de o ente enquanto tal ser efetivamente interpretado segundo o ser humano, e não apenas o fato de a interpretação ser executada “por meio” do homem. GA6MAC V
E, não obstante, esse niilismo não deve ser negativo?! O próprio Nietzsche não ratifica o caráter puramente negativo do niilismo naquela caracterização marcante do niilismo que possui a seguinte formulação (A vontade de poder, n 585 A): “Um niilista é o homem que, sobre o mundo tal como ele é, pronuncia o julgamento de que ele não deveria ser e, sobre o mundo tal como ele deveria ser, o julgamento de que ele não existe?” Em uma dupla negação, porém, tudo é aqui simplesmente negado: por um lado, o mundo presente à vista, e, então, ao mesmo tempo, o mundo suprassensível desejável a partir desse mundo presente à vista, o ideal. GA6MAC VI
Porquanto a vontade de poder constitui o caráter fundamental de todo ente, é somente a animalidade que determina o homem como um ente que verdadeiramente é. GA6MAC VI
“Corpo” é o nome para aquela figura da vontade de poder, na qual essa vontade é imediatamente acessível ao homem como o “sujeito” insigne, porque constantemente a postos. GA6MAC VI
Por isso, a vontade de poder como a subjetividade consumada pode colocar a sua essência no sujeito, de acordo com o qual o homem é, e, em verdade, aquele homem que foi além do homem até aqui. GA6MAC VI
Nietzsche empresta a seguinte formulação à lei dessa vontade: “Quero exigir de volta toda a beleza e sublimidade que emprestamos às coisas reais e imaginadas como uma propriedade e um produto do homem: como a sua mais bela apologia. GA6MAC VI
Se a animalidade do homem é reconduzida à vontade de poder como a sua essência, o homem se torna finalmente o “animal firmemente estabelecido”. “ GA6MAC VI
Para a sua própria essência, a própria incondicionalidade consumada da vontade de poder exige como condição que a humanidade consonante com essa subjetividade queira a si mesma e possa apenas querer a si mesma, na medida em que se determina lúcida e voluntariamente para a cunhagem do homem niilisticamente invertido. GA6MAC VI
A essência metafísica, correspondente à vontade de poder, de toda organização maquinai das coisas e a seleção racial do homem residem, por conseguinte, na simplificação de todo ente a partir da simplicidade originária da essência do poder. GA6MAC VI
Isso apenas indica que o que acontece é muito mais o inverso: a partir de uma experiência ainda não esclarecida do ente enquanto tal no sentido da vontade que precisa ser primeiramente pensada, o homem aprende pela primeira vez a se conhecer como um sujeito volitivo em um sentido essencial. GA6MAC VIII
A objetivação de todo ente enquanto tal a partir do levante do homem em direção ao querer-se exclusivo de sua vontade é a essência histórico-ontológica do processo, por meio do qual o homem erige a sua essência na subjetividade. GA6MAC VIII
No âmbito metafísico da ideia da vontade de poder como o eterno retorno do mesmo, só resta a possibilidade de dizer o seguinte para a determinação da ligação do homem com o “ser”: “O eterno desvairado Nos mistura – para dentro!…” A metafísica nietzschiana pensa o caráter de jogo do jogo do mundo do único modo que ela pode pensá-lo: a partir da unidade da vontade de poder e do eterno retorno do mesmo. GA6MAC VIII