Ele diz, por exemplo: a vontade é um “afeto”, a vontade é uma “paixão”, a vontade é um “sentimento”, a vontade é um “comando”. GA6MAC I
A caracterização da vontade como “afeto” e como coisas do gênero não fala, porém, a partir do âmbito da alma e dos estados anímicos? Afeto, paixão, sentimento e comando não são algo a cada vez diverso? Isso que é aqui aduzido para o esclarecimento da essência da vontade não precisa estar ele mesmo antes suficientemente claro? Ora, mas o que é mais obscuro do que a essência do afeto, da paixão e da diferença entre os dois? Como é que a vontade pode ser tudo isso ao mesmo tempo? É difícil suplantar essas questões e reservas ante a interpretação nietzschiana da essência da vontade. GA6MAC I
Alguém que não sabe o que quer não quer absolutamente, e não pode querer de maneira alguma; não há um querer em geral: “pois a vontade é, como afeto do comando, o sinal decisivo do autoassenhoramento e da força” (A gaia ciência, Livro V, 1886; V, 282). GA6MAC I
Ele denomina a vontade – com isso, a vontade de poder – um “afeto”; ele diz até mesmo (A vontade de poder, n 688): “Minha teoria seria a seguinte: – a vontade de poder é a forma primitiva do afeto, todos os outros afetos não passam de configurações suas.” GA6MAC I
Aqui, precisamos perguntar: 1) O que Nietzsche tem, afinal, em vista ao acentuar o caráter de afeto, de paixão e de sentimento da vontade? 2) Quando acreditamos que podemos afirmar que o conceito idealista de vontade não tem nada a ver com o conceito nietzschiano de vontade, o que compreendemos por idealismo? Na passagem que acabamos de citar, Nietzsche diz: todos os afetos são “configurações” da vontade de poder. GA6MAC I
Se perguntarmos o que é a vontade de poder, Nietzsche então responderá: ela é o afeto originário. GA6MAC I
Os afetos são formas da vontade; a vontade é afeto. GA6MAC I
Afeto é vontade e vontade é afeto. GA6MAC I
No caso presente, Nietzsche diz com uma boa razão que a vontade de poder é a forma originária de afeto; ele não diz simplesmente que ela é um afeto, apesar de frequentemente encontrarmos essas formulações em suas apresentações superficiais e defensivas. GA6MAC I
Em que medida a vontade de poder é a forma originária de afeto, ou seja, em que medida ela é aquilo que constitui absolutamente o ser do afeto? O que é um afeto? Nietzsche não dá quanto a isso nenhuma resposta clara e exata, assim como não responde à pergunta sobre o que é uma paixão e o que é um sentimento. GA6MAC I
A resposta dada por ele (“configurações” da vontade de poder) não nos leva imediatamente adiante, mas nos coloca diante de uma tarefa: procurar vislumbrar pela primeira vez a partir do que é conhecido como afeto, paixão e sentimento aquilo que caracteriza a essência da vontade de poder. GA6MAC I
Esse ser alçado para além de si mesmo, o acometimento de toda a essência de modo que não somos senhores de nós mesmos em meio à ira, esse “não” não significa de maneira alguma que na ira não somos lançados para fora de nós mesmos; justamente o não ser-senhor no afeto, na ira, distingue muito mais o afeto do assenhoramento no sentido da vontade, pois no afeto o ser-senhor-sobre-si é transformado em um modo do ser-para-fora-de-nós-mesmos no qual perdemos algo. GA6MAC I
Como Nietzsche diz que o querer é um querer-para-além-de-si, ele pode dizer em vista desse estar-para-além-de-si-no-afeto que a vontade de poder é a forma originária do afeto. GA6MAC I
Todavia, Nietzsche também quer aduzir agora manifestamente o outro momento do afeto para o delineamento essencial da vontade, aquele abater-se sobre nós e aquele acometer-nos que tem lugar em meio ao afeto. GA6MAC I
Tão frequente quanto a caracterização nietzschiana da vontade como afeto é sua caracterização da vontade como paixão. GA6MAC I
De acordo com isso, a vontade é, então, apenas um “epifenômeno” do efluxo de força, um sentimento de prazer que acompanha? Como isso se coaduna com o que foi dito no todo sobre a essência da vontade, e, em particular, a partir da comparação com o afeto e com a paixão? Lá a vontade veio à tona como o que suporta e domina propriamente, como equivalente ao próprio assenhorear-se; agora ela precisa ser rebaixada ao nível de um sentimento de prazer que simplesmente acompanha algo diverso? Em tais passagens podemos ver com clareza o quão despreocupado Nietzsche ainda se acha em relação a uma apresentação uniformemente GA6MAC I
De acordo com isso, a vontade é, então, apenas um “epifenômeno” do efluxo de força, um sentimento de prazer que acompanha? Como isso se coaduna com o que foi dito no todo sobre a essência da vontade, e, em particular, a partir da comparação com o afeto e com a paixão? Lá a vontade veio à tona como o que suporta e domina propriamente, como equivalente ao próprio assenhorear-se; agora ela precisa ser rebaixada ao nível de um sentimento de prazer que simplesmente acompanha algo diverso? Em tais passagens podemos ver com clareza o quão despreocupado Nietzsche ainda se acha em relação a uma apresentação uniformemente fundamentada de sua doutrina. GA6MAC I
O fato de Nietzsche designar a vontade ora como afeto, ora como paixão, ora como sentimento significa: Nietzsche vê algo mais uniforme, mais originário e ao mesmo tempo mais rico por trás da palavra rudimentar “vontade”. GA6MAC I
Se ele denomina a vontade um afeto, então isso não é uma mera equiparação, mas uma caracterização da vontade em vista daquilo que distingue o afeto. GA6MAC I
Podemos agora – parece mesmo que precisamos – reunir a série de determinações da essência da vontade trazidas paulatinamente à tona e agrupá-las em uma única definição: vontade como o assenhoreamento sobre… que se estende para além de si, vontade como afeto (o acometimento excitante), vontade como paixão (o arrebatamento expansivo em direção à amplitude do ente), vontade como sentimento (disposição para ater-se-a-si-mesmo) e vontade como comando. GA6MAC I
É necessária uma demonstração expressa e particular para saber em que medida a interpretação nietzschiana do ente na totalidade enquanto vontade de poder está enraizada na subjetividade supracitada dos impulsos e dos afetos e é ao mesmo tempo essencialmente codeterminada pelo projeto da entidade enquanto re-presentidade. GA6MAC V