GA5:93-94 – humanismo

Borges-Duarte

O entrelaçamento, decisivo para a essência da modernidade, dos dois processos – que o mundo se torna imagem e o homem se torna sujeito – lança, ao mesmo tempo, uma luz sobre o processo fundamental, à primeira vista quase contraditório, da história moderna. Quanto mais abrangente e inexoravelmente o mundo estiver à disposição como conquistado, quanto mais objectivamente aparecer o objecto, tanto mais subjectivamente, isto é, tanto mais manifestamente se erguerá o subjectum, tanto mais irresistivelmente a consideração do mundo e a doutrina do mundo se transformará numa doutrina acerca do homem, em antropologia. Não é de admirar que só onde o mundo se torna imagem surja o humanismo. Mas se não era possível, no grande tempo do mundo grego, qualquer coisa como uma imagem do mundo, então também não podia vigorar um humanismo. Daí que o humanismo, num sentido historiográfico mais estreito, não seja outra coisa que uma antropologia moral-estética. Este nome não designa aqui uma qualquer investigação científico-natural do homem. Também não designa a doutrina, estabelecida dentro da teologia cristã, do homem criado, caído e salvo. O que assinala é aquela interpretação filosófica do homem que explica e avalia, a partir do homem e para o homem, o ente na totalidade.

O cada vez mais exclusivo enraizamento da interpretação do mundo na antropologia, que surge desde o final do século XVIII, encontra a sua expressão em a atitude fundamental do homem em relação ao ente na totalidade se determinar como mundividência. É desde esse tempo que esta palavra entra no vocabulário corrente. Logo que o mundo se torna imagem, a posição do homem concebe-se como mundividência. É certo que a palavra mundividência sugere o equívoco de como se aí se tratasse apenas de um contemplar passivo do mundo. Daí que se tenha acentuado com razão, já no século XIX, que mundividência significa também, e até antes de mais, intuição da vida. Que mesmo assim a palavra mundividência se afirme como nome para a posição do homem no meio do ente, tal fornece a prova de quão decisivamente o mundo se tornou imagem, assim que o homem trouxe a sua vida, enquanto subjectum, para a primazia de centro de referência. Tal significa que o ente só vale como algo que é, enquanto e na medida em que está envolvido e remetido para esta vida, ou seja, na medida em que é vivenciado (er-lebt) e se torna vivência (Erlebnis). Por mais inadequado ao mundo grego que o humanismo tivesse de ter sido, tanto mais impossível teria sido uma mundividência medieval e seria contraditória uma mundividência católica. Por mais necessária e legitimamente que, para o homem moderno, tudo se tenha de converter em vivência, tanto mais acelerado será o seu passo para a [GA5:87] configuração da sua essência, e tanto mais certo será que os gregos, durante os festejos olímpicos, jamais tiveram vivências. [GA5IBD:116-117]

Original

[Excerto de HEIDEGGER, Martin. Caminhos de Floresta. Coordenação Científica da Edição e Tradução Irene Borges-Duarte. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 116-117]

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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