GA54:240-242 — essência da verdade

Wrublevski

A ἀλήθεια é θεά, a deusa. Mas, de fato, somente para os gregos e, mesmo entre eles, apenas para uns poucos de seus pensadores. A verdade – uma deusa para os gregos no sentido grego – certamente.

Mas o que é essência da verdade para nós? – Nós não o sabemos, porque não compreendemos a essência da verdade, nem compreendemos a nós mesmos, e não sabemos quem nós mesmos somos. Talvez essa dupla ignorância sobre a verdade e sobre nós mesmos seja uma única e mesma. Mas já é bom saber deste não-saber, e precisamente por causa do ser, ao qual pertence o temor do pensar. Pensar não é saber, mas talvez seja mais essencial do que saber, porque está mais próximo do ser, está naquela proximidade que é encoberta de longe. Não sabemos a essência da verdade. Por isso nos é necessário perguntar sobre isso e, nessa questão, ser tocados de modo que experimentemos qual a condição mínima que necessita ser realizada, se nos dispomos a dignificar a essência da verdade como uma questão. A condição é que realizemos a tarefa do pensar.

A meditação tentada foi acompanhada por uma evidência. A saber: podemos pensar a essência da verdade somente se trilhamos no mais extremo limite do ente como um todo. Lá reconhecemos que se aproxima um instante da história, cuja singularidade não se determina, de forma alguma, apenas a partir da situação corrente do mundo e de nossa própria história nele. O que “está em questão” não é simplesmente o ser ou o não-ser de nosso povo histórico, nem o ser ou não-ser de uma “cultura” “europeia”, pois nessas instâncias o que está em questão são, já e sempre, somente entes. Previamente a tudo isso, uma decisão primordial necessita ser realizada com respeito ao ser e ao não-ser mesmos, ao ser e ao não-ser em sua essência, na verdade de sua essência. Como os entes devem poder ser salvos e resguardados no livre de sua essência, se a essência do ser permanece não-decidida, não-interrogada e simplesmente esquecida?

Sem a verdade do ser, os entes jamais são estáveis; sem a verdade do ser, sem o ser e a essência da verdade, a verdadeira decisão acerca do ser e não-ser de um ente permanece sem a abertura de liberdade, a partir do que toda a história começa.

A questão retorna: o que é a essência da verdade para nós? A preleção deveria dar somente uma indicação para o reino, a partir do qual a palavra de Parmênides fala.

A indicação dentro de sua referência intencionava acenar para onde o pensador primordial está a caminho, ou seja, a casa da deusa ἀλήθεια. A partir dessa casa também a genuína viagem de sua experiência recebe, então, a indicação do caminho. A casa da deusa é o lugar da primeira chegada na jornada do pensar, e é, então, o ponto de partida para o curso do pensar que carrega todas as relações com os entes. A essência dessa casa é inteiramente determinada pela deusa. Seu morar lá faz, antes de tudo, a casa ser a casa que é. Entretanto, no morar se plenifica a “essência” da deusa. Ela é o vislumbrar que se doa e mora, a partir do iluminado, no seu interior, para o desprovido de luz. A ἀλήθεια é o descobrimento que encobre em si toda a emergência, todo o aparecimento e desaparecimento. A ἀλήθεια é a essência do verdadeiro: a verdade. Esta vige em todo vigente e é a essência (Wesen) de toda “essência”: a essencialidade (Wesenheit).

Experimentar isso é o destino do pensador primordial. Seu pensar conhece na essencialidade a essência da verdade (não apenas a essência do verdadeiro) como a verdade da essência.

Como a essência da emergência (φύσις·), a ἀλήθεια é o próprio começo. A viagem para a casa da deusa é o pensar que aponta para o começo. O pensador pensa o começo na medida em que pensa a ἀλήθεια. Uma tal recordação (Andenken) é, em toda parte, o único pensamento (Gedanke) do pensador (Denkens). Este pensamento, como o dito do pensador, entra para a palavra e para a saga do Ocidente.

Essa saga diz a essência da história, a qual, porque permanece o destino do ser e o ser apenas inesperadamente se ilumina, acontece sempre no inesperado da primordialidade do começo. A história afinada, a partir da essência primordial da iluminação do ser, envia os entes sempre de novo e sempre somente para o destino do declínio em encobrimentos de longa duração. De acordo com esse destino vigora aqui o declínio, a tarde do que emergiu primordialmente.

A terra incluída por essa história no seu espaço de tempo e nisso encoberta é o Ocidente [Abend-land, literalmente, “terra da tarde”], de acordo com o sentido primordial (ou seja, em termos da história do ser) desta palavra.

A saga ocidental diz o começo, isto é, a essência ainda encoberta da verdade do ser. A palavra da saga ocidental preserva a pertença da humanidade ocidental à região de casa da deusa ἀλήθεια.

Schuwer & Rojcewicz

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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