GA54:217-218 – olho e visão

Wrublevski

Que os gregos eram “homens visuais”, para os quais o olho tinha uma grande prioridade, o que isso contribui para uma elucidação da essência da verdade como desencobrimento, abertura e (208) iluminação? Isso não contribui em nada, pois não pode ter a mínima significação. Esse fato não pode significar nada, pois o funcionamento factual do olho não dá nenhuma informação, e não pode dar informação alguma sobre a relação do homem com os entes. O que é precisamente um “olho” sem sua habilidade para ver? Nós não vemos porque temos olhos, mas temos olhos porque podemos “ver”. Mas o que significa “ver”? Sobre isso compreendemos, segundo o mais amplo conceito, do qual também toda “ótica” física, fisiológica e estética se funda, um encontro imediato com entes, coisas, animais e outros homens, na luz. O que, no entanto, nos acrescenta alguma luz, não importa quão luminosa, e o que poderia fazer um instrumento ótico, não importa quão refinado e multidimensional, se o próprio poder de ver não avistasse de antemão os entes através do instrumento do sentido visual e por meio da luz? Do mesmo modo como o olho sem a habilidade de ver não é nada, assim a habilidade de ver, por sua parte, permanece uma inabilidade se ela não vem para o jogo numa relação já estabelecida do homem com os entes visíveis. Mas como poderiam os entes aparecer para o homem, se o homem já não se relacionasse essencialmente com os entes enquanto entes? Mas como pode vigorar esta relação do homem com os entes enquanto entes, se o homem não está em relação com o ser? Se o homem já não tivesse o ser em vista, então não poderia nem simplesmente pensar o nada, e muito menos experimentar os entes. Mas como deve o homem permanecer nesta relação com o ser, se o próprio ser não se dirige ao homem e não exige sua essência para a relação do homem com o ser? Mas que outra coisa é esta relação do ser com a essência humana do que a iluminação e o aberto, que se têm iluminado eles mesmos para o desencoberto? Se uma tal iluminação não vigorasse como o aberto do próprio ser, então o olho humano não poderia jamais tornar-se e ser o que é, ou seja, o modo como o homem vê no comportamento os entes que encontra, um comportamento no qual os entes se revelam. Uma vez que a essência primordial da verdade é “desencobrimento” (ά-λήθεια), e uma vez que ἀλήθεια já é no encoberto o aberto e autoluminoso, então a iluminação e sua transparência podem aparecer como tal na configuração do iluminar da claridade e de sua transparência. Somente porque a essência do ser é ἀλήθεια, pode a luz da iluminação alcançar uma prioridade. Por isso a emergência (209) para o aberto recebe o caráter do brilhar e aparecer. Por isso a percepção da emergência e do desencoberto é uma percepção do que brilha iluminado, isto é, o ver e o vislumbrar. Apenas por isso, porque o vislumbrar é exigido desse modo, pode “o olho” receber uma prioridade. Não porque o olho é “ensolarado” (sonnenhaft), mas porque o sol, enquanto ele próprio é radiante da luz e da essência da ἀλήθεια, por isso pode o olho do homem “vislumbrar” e tornar-se sinal para a relação do homem com o desencoberto como tal. Porque a essência da verdade e do ser é a ἀλήθεια, o aberto, por isso podiam os gregos usar o “olho” para caracterizar a relação essencial do homem com os entes — isto é, a ψυχή, a alma — e podiam falar do ομμα τής ψυχής, do “olho da alma”. (p. 208-209)

Schuwer & Rojcewicz

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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