GA54:111-112 – arete – decisão

Wrublevski

A palavra άρετά (ή) deixa-se traduzir menos ainda do que αιδώς. “Virtude” soa por demais “moralístico”; se traduzirmos por “efetividade” (Tauglichkeit), pensando esta em relação à “habilidade” e “produção”, soa no todo de modo mais “moderno” e nos conduz à errância. αρετή significa a emergência, a abertura e a integração da essência fundamental do homem no ser. αρετή está relacionada com φυά, palavra de Píndaro para a essência do homem tal como desabrocha no desencobrimento. αρετή e άρτύω são da mesma raiz, como a palavra latina ars, o que a torna a palavra romana para τέχνη, a qual traduzimos por “arte”. Com base nessa emergência e abertura integrada de sua essência, o homem é “decidido” na αρετή, ou seja, resoluto, aberto, desvelante e desvelado em relação aos entes. Em tal άρετά, de-cisão, o homem está em sentido literal “de-cidido” com respeito ao ser dos entes; isto é, (112) “decisão” significa ser sem nenhuma cisão do ser, decidido, ou seja, não separado dele.

άρετά, entendida de modo grego como “decisão”, como o desencobrimento da essência humana determinada com base na ἀλήθεια e no αιδώς*, é algo essencialmente diferente da noção moderna de “decisão”, fundada no homem como “sujeito”. A essência dessa última decisão é baseada no ato da vontade do homem, que se coloca a si mesmo, de modo voluntarista, e, somente a si mesmo. A decisão do homem moderno renascentista deriva da vontade de vontade. Nesse âmbito se inclui a αρετή pensada de modo romano, como virtus, em italiano virtu, de onde a palavra “virtuosidade”. A “decisão” no sentido moderno é a ordenação fixada da vontade em si mesma e pertence, metafisicamente, ao contexto da vontade de vontade, cuja forma mais próxima se mostra como vontade de poder. A decisão, no sentido moderno, não está fundada, metafisicamente, na ἀλήθεια, mas na autocerteza do homem como sujeito, isto é, na subjetividade. A decisão concebida de maneira moderna é o querer do que é querido em seu próprio querer; nesse querer ela é arrebatada pelo querer. “Ser arrebatado”, em latim, é fanatice. A característica distintiva da decisão moderna é “o fanático”. Em contraposição, a decisão experimentada de modo grego, enquanto abertura desveladora de si para o ser, tem uma outra origem essencial, ou seja, a origem baseada no ser experimentado de modo diverso — baseada no αιδώς, no temor; este lança e envia a άρετά para o homem. O temor como essência do ser traz ao homem o desencobrimento dos entes. Mas oposto a αιδώς vige (waltet) a λάθα, o encobrimento, que chamamos de obliteração. (p. 111-112)

Carlos Másmela

Schuwer & Rojcewicz

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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