GA4:38-40 – Somos uma conversação…

Pellegrini Drucker

Deparamo-nos com esta sentença em meio a um esboço longo e intricado para um poema inacabado, que começa por “Ó conciliante, tu que, já não crido…” (IV, 162 ss., 339 ss.):

Muito aprendeu o homem, dos Celestiais muitos nomeou, desde que somos um colóquio e podemos ouvir um dos outros. (IV, 343.)

Destacaremos destes versos, em primeiro lugar, o que se refere de imediato ao contexto de que se trata até aqui: “desde que somos um colóquio…”. Nós — os homens — somos uma conversa. O ser do homem se funda na língua, mas esta acontece, antes de tudo e propriamente, na conversa. Esta não é apenas uma maneira de a língua se consumar; melhor dizendo, somente enquanto conversa a língua é essencial. O que de resto queremos dizer com “língua”, a saber, um estoque de palavras e regras para a junção de palavras, é apenas um primeiro plano da língua. O que significa agora “conversa”? Manifestamente, o falar uns com os outros sobre algo. Por isso, a fala é o intermediário para o encontro de uns com os outros. Só que Hölderlin diz: “Desde que somos um colóquio e podemos ouvir um dos outros”. O poder ouvir não é apenas uma consequência do falar uns com os outros. O oposto é bem antes o caso: poder ouvir é pressuposto pelo falar. Por sua vez, o poder ouvir também é remetido em si mesmo e novamente à possibilidade da palavra, e precisa da palavra. Poder falar e poder ouvir são igualmente originários. Nós somos uma conversa — isto quer dizer: nós podemos ouvir um dos outros. Nós somos uma conversa — isto quer dizer, ao mesmo tempo e sempre: nós somos uma conversa. A unidade desta conversa consiste em que o Um e Mesmo se anuncia na palavra essencial em redor da qual nos unimos e com base na qual estamos unidos e somos nós mesmos em sentido próprio. O conversa e sua unidade carregam o nosso estar-aí.

Mas Hölderlin não diz simplesmente “nós somos um colóquio”, mas antes: “desde que somos um colóquio”. Onde a faculdade da língua humana está disponível à mão e assim é exercida, não se dá sem mais, o acontecimento essencial da língua — o diálogo. Desde quando somos uma conversa? Se deve haver uma conversa, a (49) palavra essencial deve se referir ao Um e Mesmo. Sem esta referência também é impossível uma disputa verbal, e por essa razão. O Um e Mesmo só podem, contudo, se manifestar à luz de algo permanente e constante. Constância e permanência só vêm a aparecer quando a persistência e a presença brilham. Isso acontece no instante em que o tempo se abre nas suas extensões.1 Uma vez que o homem se instalar na presença de algo permanente, poderá se expor assim, pela primeira vez, ao mutável, ao que vem ao seu encontro e se retira; pois somente o permanente é mutável. Só quando o “tempo devorador” se divide em presente, passado e futuro subsiste a possibilidade de unir-se em tomo de algo permanente. Unia conversa somos nós, desde o tempo em que “o tempo é”. Desde que o tempo surgiu e permaneceu, nós somos históricos. Ambos têm a mesma idade — ser uma conversa e ser histórico cada um implica o outro e ambos são o mesmo.

Desde que somos um colóquio — o homem experimentou muito e deu nome a muitos deuses. Desde que a língua acontece propriamente como conversa, os deuses vêm à palavra e um mundo aparece. Contudo, cabe novamente considerar: a presença dos deuses e o aparecer do mundo não são antes de tudo uma consequência do acontecimento da língua, mas antes lhes são simultâneos. E isto é tanto mais verdadeiro conforme a conversa que somos, em sentido próprio, consiste em nomear os deuses e no tornar-se palavra do mundo.

Os deuses, porém, só podem chegar a ser ditos, então, se eles mesmos nos dirigirem a palavra e nos interpelarem. A palavra que nomeia os deuses é sempre uma resposta a tal exigência. Esta resposta brota, a cada vez, da responsabilidade de um destino. Conforme os deuses trazem à língua o nosso estar-aí, remontamo-nos pela primeira vez ao âmbito da decisão: se nós nos prometemos os deuses ou se nos recusamos a eles.

Só agora abarcamos com a vista pela primeira vez o que significa “desde que somos um colóquio…”. Desde que os deuses nos (50) trazem para a conversa, desde o tempo em que há tempo, desde então uma conversa é o fundamento do nosso estar-aí. A sentença que pronuncia a língua o acontecimento supremo do estar-aí humano alcançou, por isso, esclarecimento e fundamentação.

Mas ao mesmo tempo impõe-se a pergunta: como começa esta conversa que nós somos? Quem leva a termo a nomeação dos deuses? Quem apreende, no tempo devorador, um permanente qualquer e fixa-o na palavra? Hölderlin no-lo diz com a simplicidade confiante do poeta. Ouçamos uma quarta sentença.

Hoeller

Cortés & Leyte

Original

  1. Ser e tempo, §§ 79-81[↩]
  2. EHD, 2. Auflage 1951: vgl. S. u. Z. §§ 79-81.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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