GA41:138-139 – intuição e pensamento

Morujão

(…) O conhecimento humano é um relacionar-se com objectos, de modo representativo. Este representar não é um mero pensar por conceitos e juízos, mas, o que é acentuado pelo espaçamento tipográfico e pela construção da frase, é «a intuição». A relação imediata com os objectos, e que verdadeiramente os traz até nós, é a intuição. Certamente que ela não pode sozinha constituir a essência do conhecimento, como, tão pouco, a constitui somente o pensamento, mas o pensamento pertence à intuição de tal modo que se encontra ao seu serviço. O conhecimento humano é intuição concebida, sob forma de juízo. O conhecimento humano é, portanto, uma unidade, construída de modo peculiar, de intuição e pensamento. Kant acentuou sempre, ao longo da totalidade da obra, esta determinação essencial do conhecimento humano. Mencione-se, como exemplo, a página B406, que aparece, pela primeira vez, na 28 edição, onde justamente se faz valer uma acentuação rigorosa do papel do pensamento no conhecimento: «Não é pelo mero facto de pensar que conheço um objecto qualquer,» (isto é dito contra a metafísica racional), «mas apenas porque determino uma dada intuição, tendo em vista a unidade da consciência, é que posso conhecer qualquer objecto». O mesmo diz a página A719, B747: «Por fim, todo o nosso conhecimento se relaciona com intuições possíveis, pois somente através destas um objecto é dado.» Na ordem da construção essencial do conhecimento, este «por fim» significa tanto como «em primeiro lugar», em primeira linha.

O conhecimento humano é, em si mesmo, duplo. Isto mostra-se no carácter duplo dos elementos que o compõem. Eles são aqui referidos como intuição e pensamento. Mas, tão essencial como o carácter duplo diante de uma unidade, é o modo como tal carácter duplo é, por assim dizer, desdobrado e estruturado. Na medida em que a unificação de intuição e pensamento constitui um conhecimento humano, os dois elementos devem, manifestamente e para serem unificáveis, ter entre si qualquer parentesco e comunidade. Isto reside no facto de ambos, intuição e pensamento, serem «representações». Re-presentar significa trazer qualquer coisa para diante de si e tê-la diante de si, ter qualquer coisa diante de si enquanto sujeito, fazê-la regressar a si: re-praesentare. Mas (136) como se diferenciam entre si, como modos de representação, intuição e pensamento, no interior do carácter comum do representar? Agora, somente podemos esclarecê-lo de forma provisória: por exemplo, com «este quadro negro», falamos do que esta diante de nós e nos é representado. Com isto, é re-presentada esta determinada extensão plana, com esta cor e com esta iluminação, com esta dureza e deste material, etc.

O que foi agora enumerado é-nos dado de modo imediato. Vemos e tocamos o que foi referido, sem mais. Vemos e tocamos, em cada caso, esta extensão, esta cor, esta luminosidade. O que é representado de forma imediata é sempre «isto», o singular que é sempre desta ou daquela maneira. O representar, o pôr diante, de forma imediata e, portanto, o pôr, de cada vez, este singular, é o intuir. A essência deste, torna-se mais clara a partir da distinção face ao outro modo de representar, face ao pensar. O pensar não é um representar imediato, mas mediato. O que ele visa, ao representar, não é o singular, «isto», mas o universal. Na medida em que digo «quadro negro», o que é dado intuitivamente é compreendido, concebido, como quadro negro; «quadro negro» — ao dizer isto, coloco qualquer coisa diante de mim, que vale também para outras coisas, em primeiro lugar para objectos semelhantes, noutras salas de aula. O representar do que vale para muitos e, de facto, na medida em que tem valor para muitos, que é comum a tudo o que lhe pertence, é o conceito. Pensar é representar qualquer coisa no universal, quer dizer, em conceitos. Mas os conceitos não se encontram imediatamente; para os constituir, é necessário um determinado caminho e um determinado meio; o pensar é, por isso, um representar mediato. (p. 136-137)

G

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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