Já sabemos o que significa «razão pura». Devemos ainda perguntar o que significa «crítica». Aqui, apenas se pode tratar de fornecer uma indicação prévia sobre o que significa «crítica». Quando se menciona esta palavra, estamos habituados a perceber, imediatamente e antes de mais nada, qualquer coisa de negativo. Para nós, crítica significa censura, verificação dos erros, exposição das insuficiências e a recusa correspondente de tais coisas. Devemos afastar, de antemão, ao mencionar o título Crítica da Razão Pura, este significado habitual e desorientador. Ele também não corresponde ao significado originário da palavra. Crítica vem do grego krinein, que significa «distinguir», «separar» e, desta forma, «realçar o particular». Esta dissociação em relação a outras coisas resulta de uma elevação a um outro nível. O sentido da palavra «crítica» é tanto menos negativo quanto ele visa o mais positivo do que é positivo, a posição daquilo que deve, antecipadamente, ser posto em todo o pôr, como determinante e decisivo. Assim, crítica é uma decisão, neste sentido posicional. Em seguida, na medida em que é separação e realce do particular, do não-habitual e do normativo, crítica é também recusa do habitual e do insuficiente
Este significado da palavra «crítica» vem à luz do dia na segunda metade do século XVIII, a partir de um caminho próprio: na discussão acerca da arte, da figura da obra de arte e do comportamento perante elas, crítica significa fixação do que dá a norma, da regra, significa legislação e, ao mesmo tempo, tudo isso significa realce do geral perante o particular. Nesta direção contemporânea do sentido, insere-se a utilização da palavra «crítica», por Kant, que ele, de seguida, colocou também no título de outras duas obras fundamentais: Crítica da Razão Prática e Crítica da Faculdade de Julgar.
Mas a palavra recebeu, através da obra de Kant, um sentido ainda mais acabado. Trata-se, agora, de esboçar este sentido. A partir dele, deixa-se entender, em seguida, o sentido negativo que a palavra também tem em Kant. Procuramos tomar isto compreensível com uma retrospectiva do que foi exposto até agora, sem entrar propriamente, desde já, na obra de Kant.
A Crítica da Razão Pura, se crítica tem o sentido positivo já caracterizado, não quer, simplesmente, recusar e censurar a razão pura, «criticar», mas, pelo contrário, delimitar a sua essência decisiva, particular e, por isso, própria. Este traçar dos limites não é, em primeiro lugar, uma delimitação perante, mas um circunscrever, no sentido de uma apresentação da articulação interna da razão pura. Realçar os elementos constitutivos e as articulações entre os elementos da razão pura é um realçar das diversas possibilidades do uso da razão e das regras que correspondem a esse uso. Como Kant uma vez acentuou (A768, B796), a crítica fornece um cálculo completo do poder total da razão pura; desenha e esboça, de acordo com uma expressão de Kant, o «contorno» (BXXIII) da razão pura. A crítica torna-se, deste modo, a medição que traça os limites do domínio total da razão pura. Esta medição realiza-se, como Kant expressamente e repetidas vezes acentuou, não por meio de uma relação com «fatos», mas a partir de princípios; não pela fixação de propriedades encontradas algures, mas pela determinação da totalidade da essência da razão pura, a partir dos seus próprios princípios. Crítica é o projeto que avalia e traça os limites da razão pura. Por isso, pertence à crítica, como momento especial, o que Kant chama o arquitectónico.
Tal como a crítica não é uma mera «censura», também a arquitectónica, o projeto de construção do edifício essencial da razão pura, não é um mero «adorno» (acerca da utilização da palavra «arquitectónica», cf. Leibniz, De prima philosophia emendatione e Baumgarten, Metaphysica, §4, ontologia como metaphysica archictectonica).
Na realização da «crítica» da razão pura, entendida deste modo, o «matemático, em sentido fundamental, acede ao seu pleno desenvolvimento e, ao mesmo tempo, à sua superação, quer dizer, ao seu limite próprio. Isto é também válido para a «crítica». Na verdade, ela pertence à característica do pensamento moderno em geral e da metafísica moderna em particular.
Mas a Crítica de Kant, de acordo com o seu caráter originário, conduz a uma nova delimitação da essência da razão pura e, por isso, ao mesmo tempo, do matemático.