GA40:28-29 – filosofia, ciência, poesia e nada

Carneiro Leão

De fato não é possível falar do Nada e dele tratar, como se fosse uma coisa, como a chuva lá fora ou uma montanha ou simplesmente um objeto qualquer. O Nada permanece, em princípio, inacessível a toda ciência. Quem pretende falar verdadeiramente do Nada, tem necessariamente que deixar de ser científico. Isso só será uma grande perda, enquanto se for da opinião, de que o pensar científico seja a única e a forma própria de pensamento rigoroso e de que somente ele pode e deve ser erigido em critério do pensamento filosófico. Entretanto as coisas estão ao inverso. Todo pensar científico é que é uma forma derivada e, como tal, consolidada de pensamento filosófico. A filosofia nunca nasce da ciência nem pela ciência. Também jamais se poderá equipará-la às ciências. É-lhes antes anteposta e não apenas “logicamente” ou num quadro do sistema das ciências. A filosofia situa-se num domínio e num plano da existência espiritual inteiramente diverso. Na mesma dimensão da filosofia e de seu modo de pensar situa-se apenas a poesia. Entretanto, pensar e poetar não são por sua vez coisas iguais. Falar do Nada constituirá sempre para a ciência um tormento e uma insensatez. Além do filósofo pode fazê-lo ainda o poeta, não certamente por haver na poesia, como crê o entendimento vulgar, menos rigor e sim por imperar nela (pensa-se somente na poesia autêntica e de valor), em oposição a toda simples ciência, uma superioridade de espírito vigorosa. Em razão dessa superioridade o poeta fala sempre, como se o ente se exprimisse e fosse interpelado pela vez primeira. No poetar do poeta, como no pensar do filósofo de tal sorte se instaura um mundo, que qualquer coisa, seja uma árvore, uma montanha, uma casa, o chilrear de um pássaro, perde toda monotonia e vulgaridade.

Gilbert Kahn

Original

[Excerto de HEIDEGGER, Martin. Introdução à metafísica. Apresentação e tradução de Emmanuel Carneiro Leão. 4a. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999, p. 55]

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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