GA40:193-195 – logos e hypokeimenon

Carneiro Leão

Se compreendermos devidamente tudo isso, já não havemos de querer negar, que, com a interpretação do Ser como ideia, se interpõe um abismo frente ao princípio originário. Ao falarmos aqui de “decadência”, é de se advertir que tal decadência ainda se conserva, apesar de tudo, num nível elevado, sem se degradar nos níveis baixos. Podemos avaliar-lhe a altura pelo seguinte. A grande época da existência grega é tão grande, em si mesma a única clássica, que cria até as condições metafísicas da possibilidade de todo classicismo. Nos conceitos fundamentais de idea, paradeigma, homoiosis e mimesis já se acha presignada a metafísica do classicismo. Platão ainda não é um classicista, pela simples razão de ainda não poder sê-lo. Ele é o clássico do classicismo. A transformação do Ser em idea provoca uma das formas essenciais de movimento, em que se move o acontecer Histórico do Ocidente e não apenas o de sua arte.

Trata-se agora de se indicar o que, em correspondência a essa transformação, acontece com o logos. A abertura e manifestação do ente se dá no logos, entendido, como reunião. Essa se processa originariamente na linguagem. Por isso o logos se torna a determinação normativa da essencialização do discurso. A linguagem guarda e conserva, no que se pronuncia, se diz e se pode sempre de novo dizer, o ente respectivamente aberto e manifesto. O que se diz, pode ser redito e dito adiante. A verdade assim retida e conservada se espalha, e de tal modo, que o ente originariamente aberto e manifestado na reunião nem sempre é experimentado, como tal, de modo próprio. No que se diz adiante, a verdade como que se dissocia do ente. Isso pode ir tão longe, que o redizer se converte num mero recitar, na glossa. Tudo que se exprime e enuncia, se acha constantemente nesse perigo (cfr. Sein und Zeit, §44b (art57)).

Por isso a decisão acerca do verdadeiro se exerce agora numa disputa entre o dizer correto e o mero recitar. O logos, no sentido de dizer e enunciar, torna-se, o âmbito e o lugar em que se decide sobre a verdade, o que significa, originariamente, sobre a re-velação do ente e com isso sobre o Ser do ente. No princípio, entendido, como reunião, o Logos é o acontecer da re-velação, nela se funda e a ela serve. Agora, ao contrário, entendido, como enunciado, o Logos se torna o lugar da verdade, no sentido da correção. Chega-se à frase de Aristóteles segundo a qual, como enunciado, o Logos é o que pode ser verdadeiro ou falso. Originariamente concebida, como revelação, um processo do ente vigente em si mesmo, e disposta e exercida pela reunião, a verdade se converte agora numa propriedade do Logos. Transformada em propriedade do enunciado, a verdade não só desloca o seu lugar. Muda também de essencialização. Considerada a partir do enunciado só se atinge o verdadeiro, quando o enunciar se atém aquilo sobre que enuncia; quando o enunciado se regula pelo ente. A verdade é a correção do Logos. Dessa forma o Logos se livra da detenção originária dentro do acontecimento da re-velação, para, a partir e em função de si mesmo, decidir sobre a verdade e o ente. E não só sobre o ente mas mesmo até sobre o Ser. Logos é agora legein ti kata tinos, dizer uma coisa de outra. Aquilo do que se diz alguma coisa, constitui o que está à base do enunciado, o seu substrato, hypokeimenon (subjectum). Considerado a partir do Logos, entendido como o que se tornou independente e autônomo no enunciado, o Ser se apresenta e se dá, como tal sub-strato. (Essa determinação do Ser, como a ideia, está já prelineada, no tocante à sua possibilidade, na physis. Pois somente o vigor imperante, que surge, pode, enquanto presença, determinar-se e transformar-se em aspecto e sub-strato). [GA40CL:204-205]

Kahn

Fried & Polt

Original

  1. This paragraph uses several words based on sagen (say): nachsagen (say again, repeat), weitersagen (pass on, spread about by saying), Hersagen (recitation, the repetition of hearsay), aussagen (assert). Heidegger also plays on wahr, “true” when he speaks of die verwahrte Wahrheit, “the truth that is preserved.” Glossa, literally “tongue,” can also mean hearsay, word of mouth (see p. 184).[↩]
  2. In parentheses in the 1953 edition.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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