GA40:15-19 – physis

Carneiro Leão

No tempo do primeiro e decisivo desabrochar da filosofia ocidental entre os gregos, por quem a investigação do ente como tal na totalidade teve seu verdadeiro Princípio, chamava-se o ente de physis. Essa palavra fundamental, com que os gregos designavam o ente, costuma-se traduzir com “natureza”. Usa-se a tradução latina, “natura”, que propriamente significa “nascer”, “nascimento”. Todavia já com essa simples tradução latina se distorceu o conteúdo originário da palavra grega, physis; destruiu-se a força evocativa, propriamente, filosófica da palavra grega. (…)

(…) O que diz então a palavra physis? Evoca o que sai ou brota de dentro de si mesmo (por exemplo, o brotar de uma rosa), o desabrochar, que se abre, o que nesse despregar-se se manifesta e nele se retém e permanece; em síntese, o vigor dominante (Walten) daquilo, que brota e permanece. Lexicamente “phyein” significa crescer, fazer crescer. Todavia, o que quer dizer crescer? Significará porventura apenas in-cremento quantitativo, aumentar de quantidade e tornar-se maior?

A physis, entendida, como sair e brotar, pode-se experimentá-la em toda parte, assim por exemplo, nos fenômenos celestes (nascer do sol), nas ondas do mar, no, crescimento das plantas, no nascimento dos animais e dos homens do seio materno. Entretanto, physis, o vigor dominante, que brota, não se identifica com esses fenômenos, que ainda hoje consideramos pertencentes à “natureza”. Tal sair e suster-se fora de si e em si mesmo (Dieses Aufgehen und In-sich-aus-sich-Hinausstehen) não se deve tomar por um fenômeno qualquer, que entre outros observamos no ente. A physis é o Ser mesmo em virtude do qual o ente se torna e permanece observável.

Os gregos não experimentaram, o que seja a physis, nos fenômenos naturais. Muito pelo contrário: por força de uma experiência fundamental do Ser, facultada pela poesia e pelo pensamento, se lhes des-velou o que haviam de chamar physis. Somente em razão desse des-velamento puderam então ter olhos para a natureza em sentido estrito. Physis significa, portanto, originariamente, o céu e a terra, a pedra e a planta, tanto o animal como o homem e a História humana, enquanto obra dos homens e dos deuses, finalmente e em primeiro lugar os próprios deuses, submetidos ao Destino (Geschick). Physis significa o vigor reinante, que brota, e o perdurar, regido e impregnado por ele. Nesse vigor, que no desabrochar se conserva, se acham incluídos tanto o “vir-a-ser” como o “ser”, entendido esse último no sentido restrito de permanência estática. Physis é o surgir (Ent-stehen), o ex-trair-se a si mesmo do escondido e assim conservar-se.

Se, porém, não se entende physis, como às mais das vezes acontece, no sentido originário de vigor dominante, que brota e permanece, mas na significação posterior e hodierna, a saber, como natureza, e se além disso se consideram, como a manifestação fundamental da natureza, os fenômenos do movimento das coisas materiais, átomos e electrões, ou seja o que a física moderna investiga como physis, então o princípio da filosofia grega se converterá numa filosofia da natureza, numa representação de todas as coisas, segundo a qual elas são de natureza propriamente material. (…)

(…)

Ao ente como tal em sua totalidade, chamavam-no os gregos physis. De passagem, porém, deve-se acrescentar, que já dentro da filosofia grega se introduziu logo cedo uma restrição da palavra, sem que, porém, sua significação originária desaparecesse da experiência, do saber e atitude da filosofia grega. Assim em Aristóteles ainda ressoa o conhecimento desse sentido originário, quando fala dos fundamentos do ente como tal (Cfr. Met. III, 1, 1003 a 27).

Todavia essa restrição da physis na direção do “físico” não se deu do modo que hoje imaginamos. Ao físico opomos o “psíquico”, o anímico, o animado, o vivente. Sem embargo tudo isso, mesmo para os gregos posteriores, ainda pertencia à physis. Como contrapartida aparece, o que os gregos chamavam thesis, posição, estatuto, ou nomos, lei, regra no sentido dos costumes. Mas os costumes não constituem o moral mas se referem ao que afeta os usos, ao que se funda nos laços da liberdade e em normas da tradição; é o ethos, aquilo que diz respeito à livre conduta e atitude, que concerne à configuração do ser Histórico do homem e que então sob a influência da moral foi degradado ao domínio do ético.

Physis se restringe a partir de sua oposição a techne – que não significa nem arte nem técnica e sim um saber, a disposição competente de instituições e planejamentos bem como o domínio dos mesmos (Cf. Fedro de Platão). A techne é criação e construção, enquanto pro-dução (Hervor-bringung) sapiente. (O mesmo vigor vigente em physis e techne só se poderia esclarecer numa reflexão especial). O conceito oposto ao físico era sem embargo o Histórico, um setor do ente, que também era pensado pelos gregos no sentido da physis, concebida originariamente de modo mais amplo. Isso nada tem a ver com uma interpretação naturalista da História. O ente como tal em sua totalidade é physis – isso quer dizer que sua Essencialização e seu caráter consistem em ser o vigor dominante, que brota e permanece. Tal sentido se experimenta antes de tudo naquilo que de certo modo se impõe da maneira mais imediata e que veio a significar mais tarde a physis em sentido restrito: ta physei onta, ta physika, o ente natural. Quando se investiga a physis, i. é, quando se investiga o que seja o ente como tal, então ta physei onta, dão antes de mais nada o ponto de apôio. Mas de tal sorte que a investigação não se deve deter nesse ou naquele domínio da natureza, sejam corpos sem vida, plantas ou animais. Deve ultrapassar por sobre eles todos para além de ta physika. [GA40CL:43-47]

Pilári

Kahn

Polt

Original

  1. The noun phusis corresponds to the verb phuein.[↩]
  2. “Phusis ist das Entstehen, aus dem Verborgenen sich heraus- und dieses so erst in den Stand bringen.” Heidegger is playing on the etymological connection between Entstehen (genesis, growth) and Stand (a stand, state, situation, condition). The phrase in den Stand bringen ordinarily means to enable.[↩]
  3. “Now since we are seeking the principles and the highest causes (or grounds), it is clear that these must belong to some phusis in virtue of itself. If, then, those who were seeking the elements of beings (ton onton) were also seeking these principles, these elements too must be elements of being (tou ontos), not accidentally, but as being. Accordingly, it is of being as being that we, too, must find the first causes.” – Metaphysics Γ 1, 1003a26-32.[↩]
  4. Phaedrus 260d-274b is devoted to determining how rhetoric can become a proper techne and what is required in general of a proper techne.[↩]
  5. Cf. Heidegger’s 1939 essay “On the Essence and Concept of Φύσις in Aristotle’s Physics B, 1” trans. Thomas Sheehan, in Pathmarks, ed. William McNeill (Cambridge: Cambridge University Press, 1998).[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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