GA38:84-86 – história [Geschichte]

Pacheco & Quadrado

Por isso, entrar na história não quer simplesmente dizer que algo passado, simplesmente por ter passado, é incluído no passado. É, aliás, questionável se o entrar na história significa sempre ser como que enviado para o passado. Quando um povo a-histórico entra na história, com “história” não queremos dizer o passado, mas o futuro, que co-determina esse povo que entra na história. Mas, do mesmo modo, este povo pode também ser expulso da história. Está, por assim dizer, no exterior, colocado na margem, já não tem futuro. Nós temos, por isso, esta coisa estranha – que um povo entra na história (passado), na medida em que é eliminado da história (futuro).

A história é equívoca. E quão confusamente pensamos sobre a história e sobre o nosso próprio ser – dado que a história representa o caracter mais próprio da nossa maneira de ser! Torna-se claro que um povo a-histórico, que mais tarde entra na história, carece de história num sentido completamente diferente da terra. A terra não pode entrar na história nem dela sair, não tem qualquer relação com a história. Mas contudo, ela não poderá ter? A península balcânica meridional entrou na história há mais de 2000 anos. Uma cumeada, um rio podem ser lugar de batalhas históricas. Nós falamos do “solo histórico”, dizemos que toda uma região está, por assim dizer, carregada de história.

Por isso, o solo terrestre entra também na história. Mas o acontecimento propício (Ereignis) deste ingresso não é um evento na ordem da sucessão das mudanças da crosta terrestre. Antes pelo contrário, o acontecer no qual entra o solo é a história feita pelos povos. E os povos não entram na história como se ela fosse um espaço pronto no qual encontram refúgio, uma trajectória presente (vorhandene Bahn), que eles apenas têm de percorrer, mas “fazer história” significa: criar primeiro o espaço e o solo. Aqui “fazer” não quer dizer fabricar, no sentido em que o homem pode fabricar e conservar uma coisa. Se bem que um povo faça a sua história, a história não é uma coisa fabricada pelo povo – o povo, pelo seu lado, é feito pela história.

Assim, apresenta-se aqui uma nova ambiguidade: um povo ergue a sua história diante de si no seu querer e é, por outro lado, erguido pela história. A primeira ambiguidade – que um povo entra na história enquanto dela sai – está ligada à segunda. Em ambos os casos, torna-se mais claro: a história não é só a sequência dos sucessos. Daí que a terra, em rigor, também não tenha história. Mas porque não? Porque o homem não toma parte dela e porque só o homem é histórico. O que é histórico no homem? As mudanças dos sucos gástricos, a circulação sanguínea, o tornar-se grisalho do cabelo – será que isto é história? Ou será história que um homem seja gerado e nasça, envelheça e morra? Mas diz-se que isso também acontece com o cão e o gato…

E contudo são história a hora de nascimento de Albrecht Dürer e a hora da morte de Frederico, o Grande. Quando um cão morre ou uma gata pare isto não é história, só quando uma velha tia faz daí uma história. A hora do nascimento de Dürer e a hora da morte de Frederico, o Grande, não são história porque posteriormente se tornaram significativas, mas o nascimento da pessoa já é em si história. Que quer isto dizer? A indicação de que aqui se trata de coisas humanas, à partida, não pode esclarecer-nos muito – tanto mais que estamos a perguntar quem é o homem. A referência de que a história só acontece onde há homens não nos presta neste caso qualquer serviço.

Nós restringimos a história ao ser do homem. Mas também os entes não humanos, como por exemplo o mencionado avião do Führer, podem tornar-se história através de uma peculiar entrada na história, que apresenta um acontecer próprio. Nós determinamos, com esta restrição, a história como ser do homem e recusamos a “história animal” e a “história da terra” como insignificantes. A história é um carácter distintivo do ser humano.

Mas devemos precisamente compreender este ser humano só a partir do conceito da essência da história! Assim movemo-nos mais uma vez em círculo: determinamos a história a partir do homem e o homem a partir da história. Movemo-nos em círculo e estamos, por isso, no bom caminho. Resta-nos apenas a continuação do caminho tomado: a consideração provisória e comparativa do ser humano como história em comparação com o ser não histórico da terra, das plantas e animais. Não é suficiente distinguir, de um lado, o movimento da crosta terrestre e os processos vitais e, do outro, o acontecer humano, de modo que só pressentimos aproximadamente e emotivamente as diferenças e deixamos o restante para uma frase oca. A diferença tem de ser compreendida como inerente à constituição interna do respectivo âmbito do ser. [HEIDEGGER, Martin. Lógica – A pergunta pela essência da linguagem. Tr. Maria Adelaide Pacheco e Helga Hoock Quadrado. Lisboa: Fundação Calouste Culbenkian, 2008, p. 144-147]

Gregory & Unna

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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