GA38:149-150 – estar afinado pela tonalidade afetiva

Pacheco & Quadrado

Nós somos determinados, isto é, afinados por uma tonalidade afectiva em cada momento. Por muito que os puros encargo e missão tenham a sua determinação no trabalho e só nele, e tal como o trabalho se estende do ter sido para o futuro, assim uma tonalidade afectiva fundamental (Grundstimmung) domina a totalidade do encargo, da missão e do trabalho. O caracter de terminado (Bestimmtheit) está, em cada caso, carregado de um estado afectivo (Gestimmtheit) e de uma tonalidade afectiva.

Costuma-se compreender as tonalidades afectivas como um certo acréscimo às verdadeiras faculdades da alma, pensar e querer. Elas são como que a coloração e o timbre das vivências, certos estados complementares do lado dos afectos. Nesta concepção ignora-se a essência interna da tonalidade afectiva como também o seu poder. Surge o equívoco de que os designados caracteres fortes, os homens de acção, os homens de cabeça fria, seriam livres de tonalidades afectivas; que a tonalidade afectiva seria algo de feminino, ela seria (203) somente coisa das pessoas emotivas, que constantemente vão de uma tonalidade afectiva a outra e delas estão sempre dependentes.

Também aqui deparamos com o facto de que a essência das características fundamentais do homem são desvalorizadas como a in-essência. Não é apenas o homem inconstante que está dependente da tonalidade afectiva, mas também e precisamente o grande homem. É certo que este está intrinsecamente estruturado pelas grandiosas tonalidades afectivas fundamentais e é por elas conduzido, pelo contrário, o homem insignificante é dirigido por tonalidades afectivas menores a que chamamos caprichos. A diferença entre grandiosas e menores tonalidades afectivas reside em que as tonalidades afectivas grandiosas quanto maiores são, mais actuam de modo encoberto. Elas tornam-se tanto mais poderosas quanto se tornam patentes na criação própria de uma acção, de uma obra. Uma grande obra só é possível a partir de uma tonalidade afectiva fundamental e, em última análise, da tonalidade afectiva fundamental de um povo. Também a grande arte só é possível quando ela nasce a partir de uma tonalidade afectiva fundamental. Enquanto a grande tonalidade afectiva está encerrada no homem ou silenciosa na grande obra, a pequena tonalidade afectiva expõe-se continuamente, seja em lamentações ou em insípida alegria.

As tonalidades afectivas não são um simples rescaldo na nossa vida anímica, mas são acontecimentos fundamentais do poder do tempo, nos quais o nosso Dasein está originariamente. As tonalidades afectivas fundamentais são aquelas devido às quais nós, a partir da nossa essência, nos abrimos ou também nos fechamos ao ente, do modo mais profundo, mais vasto e mais originário possível. O nosso ser determinado é determinado, de cada vez, no caracter de determinado das duas determinações indicadas.

Este triplo sentido unitário daquilo a que nós chamamos determinação deixa-nos antes de mais experimentar encargo e missão, trabalho e tonalidade afectiva na sua unidade sóbria conforme ao acontecer e, com isso, também o tempo como poder originário, que harmoniza o nosso ser e em si o determina como acontecer. Deste modo, o tempo, experimentado como a nossa determinação, não é senão a estrutura do poder (Machtgefuge), a grande e única articulação (Fuge) do nosso ser como um ser histórico. Ele torna-se a unicidade histórica do nosso si mesmo. Assim, o tempo é o manancial do povo histórico e do indivíduo no seio do povo. A unidade desta tripla determinação é o caracter fundamental do acontecer.

Gregory & Unna

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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