- Borges-Duarte
- Gregory & Unna
Borges-Duarte
Apesar disso nós perguntavamos: “quem somos nós mesmos?”. Assim, evitámos a equiparação de eu e do si mesmo. Nós temos aí ainda a vantagem de que a pergunta – quem somos nós mesmos? – é actual, ao contrário da época do liberalismo, o tempo do eu. Supõe-se que agora seja o tempo do nós. Isto pode ser correcto e, porém, é insignificante, ambíguo e superficial, pois nós podemos ser uns seres quaisquer, que se juntaram por quaisquer razões duvidosas. “Nós” -assim fala também uma qualquer multidão anônima. “Nós!” – assim grita também uma massa revolucionária, vangloria-se também o clube de bowling. “Nós!” – deste modo um bando de ladrões combina um encontro. O nós por si só não é suficiente. Tal como o eu pode diminuir e fechar o verdadeiro si mesmo, de modo igualmente certo pode também um nós destruir o si mesmo, massificar, incitar e até empurrar para o crime.
Com a exclamação “nós!” podemos falhar o nosso si mesmo do mesmo modo que numa glorificação do eu. Inversamente, podemos encontrar o nosso ser si mesmo tão certamente no caminho do eu como no caminho do vós, do nós, pois em todos aqueles importa o ser si mesmo, a determinação do si mesmo. Isso quer dizer: o nós, junto do qual agora nos detemos com a pergunta “quem somos nós mesmos?”, o nós, também no sentido de uma genuína comunidade, não tem simplesmente e mcondicional-mente a primazia e isso vale também para comunidade. Há coisas essenciais e decisivas para uma comunidade e precisamente estas coisas não surgem na comunidade, mas sim na força contida e na solidão de um indivíduo. Pensa-se que depende da comunidade. Pensa-se que, se dez ou trinta pessoas novatas e ignorantes se juntam dias a fio e tagarelam, então nascerá uma comunidade ou uma genuína relação. Esta ilusão de acampamento (Lagerwahn) 1 é manifestação oposta a todo o acampamento (Lager).
Nem o nós em relação ao eu, nem inversamente o eu em relação ao nós têm, sem mais, uma primazia – enquanto neste caso a tarefa não estiver compreendida e não for colocada para os homens sábios. O futuro aperfeiçoamento colocar-nos-á ainda diante de tarefas não habituais e forçar-nos-á a encontrar a autêntica fronteira interna de uma comunidade. Há coisas que são decisivas para um acampamento, mas o essencial não surge num acampamento nem a partir de um acampamento, mas antecipadamente.
Deste modo, o nós tem uma plenitude de mistérios em si, que nós só dificilmente esgotamos e que acima de tudo não conseguimos compreender, quando tomamos o nós como um simples plural. Por conseguinte, quando nós colocamos a pergunta pela essência do homem na forma do quem e quando colocamos a pergunta pelo quem na forma do nós, então ainda nada está decidido sobre a autodeterminação do si mesmo. (GA38IBD:102-103)