GA36-37:217-218 – o que é o homem?

Carneiro Leão

É a questão do que é a filosofia. Esta questão e a questão sobre a verdade dependem da questão fundamental: o que é o homem?

A resposta para esta questão fundamental, costumamos ir buscar, hoje em dia, nas ciências como biologia, psicologia, antropologia, sociologia, tipologia etc. Estas ciências, todas elas juntas, nos dão muitas informações sobre o homem e nenhuma resposta, porque todas elas já não perguntam nem questionam o homem, por já se fundarem numa resposta bem-determinada, a saber: o homem é algo que se dá e existe entre muitas outras coisas, e que consta de corpo, alma, espírito, pessoa… É o que se divulga e sempre se apresenta. E tudo isto é correto, mas não é verdadeiro em sentido mais profundo.

Em todas estas disciplinas já está prelineado e previamente consignado um determinado modo de questionamento. E este modo de questionar é que, de antemão, já proporciona a resposta, isto é, já demarca um círculo bem-preciso de respostas. E mesmo depois de se terem elaborado e concluído, as respostas não vão além do que, antecipadamente, já tinham decidido sobre o homem.

O tipo de questionamento que aqui está, no fundo, deve ser sempre: o que é o homem? Na própria formulação da pergunta, a decisão já foi tomada: o homem é uma coisa dotada disto e daquilo, constituído desta e daquela maneira. Poder-se-ia até pensar que a questão não poderia ser diferente.

Todavia, a diferença é possível. Nós não perguntamos: o que é o homem?, mas quem é o homem? Também neste modo de perguntar, uma decisão já foi tomada; a saber, que o homem não é uma coisa, mas um si-mesmo; o homem é um sendo que está, em seu ser, entregue e confiado (224) a si mesmo para ser. É que o si-mesmo não se enquadra no âmbito das coisas dadas que se têm simplesmente à mão, mas o si-mesmo está sempre entregue e confiado a uma contínua escolha e decisão, que se há de suportar sempre e de assumir em qualquer condição.

O decisivo não é que o si-mesmo sabe de si mesmo, o decisivo é que este saber, no sentido da consciência de si, decorre e é apenas uma consequência do fato de, em sendo, estar sempre em jogo seu próprio ser.

Esta característica fundamental, de que é sendo que se decide o próprio ser, pertence-lhe e integra seu próprio ser. Nós designamos este modo de ser como cuidado. Este cuidado, no entanto, não tem nada a ver com qualquer impertinência e rabugice, mas designa o caráter e o traço fundamental do si-mesmo, de, em sendo, ter em jogo seu próprio ser. O como e a maneira de o si-mesmo ser depende e está entregue à escolha e ao envio do homem em cada homem.

Somente à medida que o ser é cuidado é que se torna possível um modo de ser no sentido de resolução, trabalho, heroísmo etc. Entretanto, por ter tais poderes, o homem também tem, por outro lado, as possibilidades de ingenuidade, atividade, covardia, escravidão, negociata etc. Não são suplementos e acréscimos. Somente onde houver atividade, haverá trabalho. Somente na base deste ser (de cuidado) o homem é um ser histórico. O cuidado é a condição de possibilidade para o homem poder ser um ser político. [GA36-37ECL:224-225]

Fried & Polt

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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