GA36-37:214-215 – quem é o homem?

Carneiro Leão

De maneira totalmente esquemática, pode-se dizer: questionamos o homem. Tal é a questão-guia, que em todas nossas reflexões sobre o sentido temos de colocar, a questão sobre o homem histórico. Nesta questão o que importa é questionar de modo legítimo. Questionar de modo legítimo, tal é a tarefa e o desafio da filosofia do futuro. Este questionamento é o acontecimento fundamental, o filosofar.

Ao perguntar pelo homem, vemos que, até agora, esta questão assumiu sempre a forma: o que é o homem? Nessa forma de perguntar, acha-se já embutida uma decisão prévia bem determinada. Já se decidiu que o homem é uma coisa, é algo, constituído desta ou daquela maneira, que possui tal ou qual componente que lhe pertence. Toma-se o homem como um ser composto de corpo, alma e espírito. Cada componente destes, pode-se, então, considerar isoladamente em determinada forma de questão. A biologia questiona o corpo do homem, da planta e do animal: a psicologia questiona a alma, a ética, o espírito do homem. Tudo isso pode-se resumir numa antropologia.

Todas essas disciplinas produziram grande quantidade de conhecimentos sobre o homem. E, não obstante, não são capazes de responder à pergunta pelo homem. É porque já não perguntam, de maneira alguma, esta pergunta.

A reviravolta propriamente dita nessa pergunta deve ser que ela, já como pergunta, deve ser feita de maneira diferente; colocá-la e fazê-la como (221) pergunta, de maneira diferente. Não perguntamos: o que é o homem?, mas quem é o homem?

Com esta última questão se dá, em princípio, um outro sentido à questão. Com isso se põe e estabelece que o homem é um si-mesmo, um sendo, cujo modo e maneira de ser, cuja possibilidade de ser não lhe é nada indiferente. Seu ser é aquele ser em que, em sendo, está em jogo seu próprio ser.

O homem é um si-mesmo e não um ser vivo dotado de tantas e quantas propriedades espirituais. O homem é um ser que já sempre se decidiu sobre o próprio ser, desta ou daquela maneira. Trata-se de toda uma outra postura fundamental proveniente das possibilidades e necessidades de ser do homem.

Somente porque o homem é um si-mesmo é que ele pode vir a ser um eu e um tu e um nós. Ser si-mesmo não decorre, não é uma consequência de ser eu. Este caráter de ser si-mesmo do homem é também o fundamento de ele ter sempre uma história.

Digo que a questão do homem deve ser revolucionada. A historicidade é um momento fundamental de seu ser. Esta condição de ser exige um relacionamento totalmente novo do homem em sua e com sua história, na questão e da questão em favor do homem, sobre seu próprio ser.

Terminologicamente, designei esta distinção e característica do homem com a palavra cuidado; cuidado, porém, não como preocupação angustiada de um psicopata, mas como o modo fundamental do homem, em cuja base há e se dá algo assim como resolução, prontidão para servir, luta, domínio; agir, enquanto possibilidade de ser e de essência. Somente enquanto o homem se decide pró ou contra esta desigualdade (…). Só há senhorio, só se pode dar domínio onde houver prontidão para servir.

É a partir da questão pela essência do homem que se revoluciona seu ser, que se revoluciona o modo e a maneira como ele se põe e está para a tradição e missão históricas. [GA36-37ECL:221-222]

Fried & Polt

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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