GA31:128-130 – ser e tempo

Casanova

Ser e tempo: tendo em vista o problema do ser, nós perguntamos sobre o tempo, se e como ele possibilita a condição fundamental de possibilidade da existência humana – a compreensão de ser. Ser: o que há de mais amplo, em cujo horizonte se encontra abrangido todo ente real e efetivo, assim como todo ente imaginável. Supõe-se que a possibilidade para essa amplitude do ser deva residir no tempo. Só ele, portanto, o tempo, seria a mais abrangente amplitude, na qual a compreensão de ser abarcaria desde o princípio todo ente. O tempo, essa amplitude de todas a mais abrangente, o que ele é e onde ele é? O tempo, a que lugar ele pertence? A quem ele pertence?

Cada um tem seu tempo. Nós todos juntos temos o nosso tempo. Para cada um de nós e para nós todos, ele é uma posse tranquila – nosso tempo, meu tempo – que podemos repelir de maneira arbitrária? Ou será que cada um possui a sua porção própria de tempo? Possuímos em geral sempre e a cada vez uma parcela de tempo, ou será que é o tempo inversamente que nos (156) possui? E isso não apenas no sentido indeterminado de que nós simplesmente não podemos sair dele, não apenas como grilhões aplicados, mas de tal modo que o tempo, como sendo a cada vez o nosso tempo, nos singulariza e singulariza cada um precisamente com vistas a ele mesmo? O tempo é sempre tempo, no qual “é tempo de”, no qual “ainda é tempo”, no qual não há “mais tempo algum”. Enquanto não virmos que o tempo só é temporal, que ele satisfaz a sua essência, na medida em que ele singulariza a cada vez cada homem com vistas a si mesmo, a temporalidade enquanto essência do tempo permanecerá vedada para nós.

Se, contudo, temporalidade é no fundo singularização, então o questionamento acerca de ser e tempo é em si, segundo o seu conteúdo, obrigado a entrar na singularização que reside no próprio tempo. Assim, o tempo como horizonte do ser também já tem a sua amplitude maximamente abrangente, e, enquanto tal amplitude, ele também já se concentra, já reúne a si mesmo na direção do homem em sua singularização. Bem compreendido, não do homem como um dos muitos casos especiais presentes diante de nós, mas do homem em sua singularização, que nunca diz respeito enquanto tal senão ao particular enquanto particular. Assim, no conteúdo maximamente originário da questão diretriz do filosofar, questão essa desenvolvida e transformada na questão fundamental, não reside a possibilidade de uma abordagem constante e infalivelmente estabelecida na direção de seu ponto de ataque? Essa abordagem é tanto mais ameaçadora, uma vez que ela de saída e durante muito tempo, como vimos, assume o aspecto de que não existiría, de que se trataria de algo universal, que concerne concomitantemente com certeza a algo particular, mas que justamente desse modo não é a cada vez pertinente para esse particular enquanto tal. Agora se mostra: na essência do próprio tempo reside singularização, mas não como particularização de algo universal, pois ele nunca é originariamente algo universal: “o tempo”. Ao contrário, o tempo é sempre a cada vez meu tempo; mas meu e teu e nosso tempo não no sentido extrínseco (157) da existência burguesa privada, mas meu e teu tempo a partir do fundamento da essência do ser-aí, que é enquanto tal sempre e a cada vez singularizado com vistas a si; uma singularização que representa pela primeira vez a condição de possibilidade para a cisão nas diferenças entre pessoa e comunidade.

Precisamente se conquistarmos com a questão diretriz da filosofia, questão essa desdobrada e transformada na questão fundamental, a maior amplitude possível do problema de ser e tempo, se efetivamente conquistarmos e não apenas falarmos sobre isso, então já reside no conteúdo derradeiro do problema pela primeira vez e constantemente o aguçamento com vistas a todo e qualquer particular enquanto tal. A amplitude abrangente do ser é uma e a mesma coisa que a singularização invasiva do tempo. No fundo de sua unidade essencial, ser e tempo são de tal modo que, se eles são postos em questão, essa questão se mostra em si como abrangente e invasiva. O remeter-se-ao-todo é em si mesmo um ir-às-raízes de nós mesmos, de todo e qualquer particular. Eu repito: não ulteriormente e a caminho de um aproveitamento, mas o conteúdo da questão da filosofia – τί τὸ ὄν – exige uma questão que, quanto mais radicalmente ela se assegura de sua amplitude e de sua abrangência, tanto mais seguramente ela ganha o seu fundamento, fundamento esse no qual ela toca de maneira questionadora o particular enquanto particular e o coloca em questão.

Martineau

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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