GA29-30:411-413 – mundo significa acessibilidade do ente

Casanova

(…) Este “as coisas se dão para alguém de uma maneira ou de outra” revela-se como a fórmula para uma abertura do ser-aí enquanto tal. Tonalidades afetivas fundamentais são possibilidades insignes de uma tal abertura. Este caráter insigne não reside tanto no fato de o que é aberto ser mais rico e multifacetado em comparação com as tonalidades afetivas medianas (364) ou mesmo com a ausência de tonalidade. Ao contrário, insigne é o que se abre de certa maneira em toda e qualquer tonalidade afetiva. Como devemos chamá-lo? Ele é aquele “na totalidade”. No entanto, foi este “na totalidade” característico que permaneceu enigmático para nós, quando chegamos a uma conclusão provisória sobre o tédio profundo. Este “na totalidade” não é inicialmente apenas inapreensível para o conceito, mas já é mesmo inapreensível para a experiência cotidiana. Não porque estaria situado bem longe em regiões inacessíveis, onde somente a especulação mais elevada conseguiria adentrar, mas porque ele se acha tão perto, que não temos nenhuma distância para visualizá-lo. Atribuímos este “na totalidade” ao ente. Mais exatamente: à respectiva abertura do ente. Deduzimos novamente daí que o conceito de mundo inicialmente introduzido era totalmente insuficiente e que ele experimenta agora uma determinação ulterior. Partimos do conceito ingênuo de mundo e podemos firmar uma determinada gradação, que fixa ao mesmo tempo o curso da consideração.

O conceito ingênuo de mundo é compreendido de uma forma tal que o mundo diz tanto quanto o ente. Sem qualquer decisão até mesmo em relação à “vida” e à “existência”, ele diz simplesmente o ente. Em meio à caracterização do modo como vive o animal, vimos o seguinte: ao falarmos com sentido do mundo e da formação do mundo por parte do homem, mundo precisa designar algo como a acessibilidade do ente. Vimos, entretanto, uma vez mais, que recaímos em uma dificuldade e ambiguidade essenciais com esta caracterização. Se determinarmos o mundo desta forma, também poderemos dizer em certo sentido que o animal possui um mundo; a saber, que ele tem um acesso a algo, que experimentamos a partir de nós como sendo o ente. Em contraposição a isto mostrou-se, porém, que o animal tem efetivamente a possibilidade de acesso a algo, mas não ao ente enquanto tal. Daí resulta que mundo significa propriamente acessibilidade do ente enquanto tal. Esta acessibilidade funda-se, contudo, em uma abertura do ente enquanto tal. Por fim, veio à tona que esta abertura não é nenhuma abertura de um tipo arbitrário qualquer, mas a abertura do ente na totalidade enquanto tal.

Com isso, temos uma circunscrição provisória do conceito de mundo. Esta circunscriçâo tem sobretudo uma função metodológica no sentido de que ela nos delineia previamente os passos singulares de nossa interpretação atual do fenômeno do mundo. Mundo não é o todo do ente, não é a acessibilidade do ente enquanto tal, não é a abertura do ente enquanto tal que se encontra à base da acessibilidade. Ao contrário, mundo é a abertura do ente enquanto tal na totalidade. Gostaríamos de começar as nossas considerações pelo momento que já se nos impôs também em meio à interpretação da tonalidade afetiva fundamental: gostaríamos de começar por este estranho “na totalidade”.

Mundo sempre tem – mesmo que tão indistintamente quanto possível – o caráter de totalidade, de esfera ou como quer que queiramos inicialmente indicar e apreender este caráter. Este “na totalidade” é uma propriedade do ente em si ou é apenas um momento da abertura do ente ou nenhum dos dois? Perguntemos de maneira ainda mais preliminar: “o ente na totalidade” não significa em verdade a mera soma, mas designa justamente o todo do ente no sentido do conjunto total do que é em geral em si? Ele se confunde com o que tem em vista o conceito ingênuo de mundo? Se este fosse o caso, nunca poderíamos falar que o ente na totalidade é aberto para nós em uma tonalidade afetiva fundamental. Por mais essencial que a tonalidade afetiva fundamental possa ser, cia nunca nos dá nenhuma informação sobre o conjunto total do ente em si. Mas o que significa, então, este “na totalidade”, se não o todo do ente em si segundo o ponto de vista do conteúdo? Responderemos: ele significa a forma do ente enquanto tal que se manifesta para nós. Por isto, “na totalidade” diz: sob a forma da totalidade. O que se chama aqui, porém, de forma e o que se tem em vista com a expressão “manifesto para nós”? A forma é apenas uma moldura que retém e circunda o ente, conquanto ele está justamente manifesto para nós? E para que esta moldura ulterior? O ente é aberto de outro modo do que justamente para nós? E se ele não é senão para nós, então isto equivale a dizer que ele é tal como é apreendido subjetivamente por nós, de modo que poderíamos dizer: mundo significa a forma subjetiva e a consistência formal da apreensão subjetiva do ente em si por parte do homem? Não é evidentemente necessário que tudo conflua para este ponto, se atentarmos para o fato de que a tese afirma: o homem é formador de mundo? Com isto, está dito de maneira clara e distinta que o mundo não é nada em si, mas um construto do homem, algo sujetivo. Esta seria uma interpretação possível do que dissemos até aqui sobre o problema do mundo e sobre o conceito de mundo. Todavia, esta seria uma interpretação possível, que com certeza não toca justamente o problema decisivo.

Daniel Panis

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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