Começamos o esclarecimento do contexto, no qual se insere a palavra, com o último termo expresso: φυσικά. No interior deste termo encontra-se a palavra φύσις 1, que traduzimos habitualmente por “natureza”. Esta palavra vem do latim natura – nasci: nascer, surgir, crescer [werden, entstehen, wachsen]. Esta é, simultaneamente, a significação fundamental do grego φύσις, φύειν. Φύσις significa o crescente [Wachsende], o crescimento [Wachstum], o que propriamente cresceu em um tal crescimento. Crescimento e crescer [Wachstum und Wachsen], porém, tomamos aqui em um sentido totalmente elementar e amplo, tal como este sentido irrompe na experiência originária do homem: o crescimento não apenas das plantas e dos animais, seu surgir e perecer enquanto um mero evento isolado, mas o crescimento enquanto este acontecimento que se dá em meio a e absolutamente dominado pela mudança das estações, em meio à alternância entre dia e noite, em meio ao curso dos astros, da tempestade e do clima, em meio ao furor dos elementos. Tudo isso reunido em unidade é o crescimento.
Nós traduzimos agora o termo φύσις de modo mais distinto e aproximado do sentido originariamente visado não tanto através da palavra crescimento, mas sim através da expressão: “a vigência autoinstauradora do ente na totalidade” [sich selbst bildenden Walten des Seienden im Ganzen]. Não consideramos a natureza segundo o sentido restrito de hoje em dia, como objeto da ciência natural. No entanto, também não a consideramos no sentido amplo e pré-científico ou no sentido goethiano. Ao contrário, esta φύσις, esta vigência do ente na totalidade [Walten des Seienden im Ganzen], é experimentada pelo homem de modo tão imediato quanto arrebatador. Em sua lida com as coisas, ele a experimenta consigo mesmo e com seus iguais: aqueles que são com ele da mesma forma. Os acontecimentos que o homem experimenta em si, geração, nascimento, infancia, maturidade, velhice, morte [Zeugung, Geburt, Kindheit, Reifen, Altern, Tod], não são de maneira nenhuma acontecimentos no sentido restrito e atual de um evento natural especificamente biológico, eles pertencem muito [36] mais à vigência universal do ente, que concebe conjuntamente em si o destino humano e sua história [menschliche [?Schicksal] und seine [?Geschichte]]. É preciso que nos aproximemos deste conceito totalmente amplo de φύσις, para que possamos compreender esta palavra segundo a significação, na qual os antigos filósofos, que são denominados equivocadamente “filósofos da natureza”, a utilizaram. A φύσις aponta para esta vigência total, a partir da qual transcorre o vigor do próprio homem e da qual ele não é senhor. Esta vigência, contudo, o transvigora e revigora, a ele, o homem, que sobre ela já sempre se pronunciou. O que ele entende – por mais enigmático e obscuro que isso possa ser em particular – se aproxima dele, o suporta e assola como o que é: φύσις, o vigente, o ente, o ente total [das Waltende, das Seiende, das ganze Seiende]. Acentuo uma vez mais: a φύσις enquanto este ente na totalidade não é pensada no sentido moderno e tardio de natureza, mais ou menos como o conceito contrário ao conceito de história. Ao invés disso, ela é vista como mais originária do que estes dois conceitos: ela é vista em uma significação originária, que diante da natureza e da história encerra a ambos e que também contém em si de certa maneira o ente divino [göttliche Seiende].
[HEIDEGGER, Martin. Os conceitos fundamentais da Metafísica. Mundo – Finitude – Solidão. Tr. Marco Antônio Casanova. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 35-36]- ?physis[↩]