GA29-30:17-19 – ensino da filosofia

Casanova

(…) Filosofia como uma matéria passível de ser ensinada, como matéria de prova; uma disciplina, na qual, como em outras disciplinas, nos doutoramos. Para os estudantes e professores, a filosofia tem a aparência de uma matéria genérica, sobre a qual certas preleções são ministradas. De acordo com esta compreensão, assumimos uma atitude diante do que se apresenta aqui: ou bem empreendemos conjuntamente uma tal preleção, ou paramos apenas para dar uma olhadela e logo seguimos em frente. Se apenas paramos para dar uma olhadela e logo seguimos em frente, não acontece absolutamente nada mais. Algo é simplesmente solapado. Para que temos, afinal a liberdade acadêmica? Até mesmo ganhamos com isso e nos poupamos o dinheiro da matrícula. A taxa de matrícula não é sequer suficiente para a compra de um par de esquis, mas dão na risca para um par de bastões de esqui, que talvez sejam de fato muito mais essenciais do que a preleção de filosofia. É possível que ela seja apenas uma aparência – quem há de saber?

Entretanto, talvez estejamos parando apenas para dar uma olhadela e seguindo logo em frente em uma ocasião essencial. O terrível é que nem sequer percebemos, e é mesmo possível que nunca venhamos a perceber que, quando paramos apenas para dar uma olhadela e logo seguimos em frente, não nos acontece mais nada; o terrível é que em meio aos corredores da universidade podemos manter uma conversa tão importante quanto aqueles que aí ouvem as aulas de filosofia e provavelmente ainda citam Heidegger. Se não pararmos apenas para dar uma olhadela e logo seguirmos em frente, mas frequentarmos a preleção, a dubiedade estará, então, remediada? Algo terá mudado a olhos vistos? Todos não estão sentados igualmente atentos ou igualmente entediados? Somos melhores do que nosso vizinho porque compreendemos mais rapidamente, ou somos apenas mais hábeis e mais ágeis com a fala? Talvez estejamos um pouco mais escolados do que os outros em uma terminologia filosófica por termos participado anteriormente de alguns seminários de filosofia. No entanto, apesar de tudo isto, é possível que nos falte o essencial e que um outro mesmo que seja apenas uma estudante o possua.

(18) Estamos – os senhores como ouvintes – incessantemente cercados por uma essência dúbia que se encontra à espreita: a filosofia. E o que dizer do professor?!? O que é, afinal, que ele não consegue demonstrar?!? Por entre que floresta de conceitos e terminologias ele se põe a passear, deixando vigorar um aparato científico que atemoriza o pobre ouvinte?!? Ele pode entrar em cena de um tal modo que, com ele, a filosofia parece ter vindo ao mundo como ciência absoluta pela primeira vez. O que não consegue relatar com os mais modernos tópicos sobre a situação do mundo, o espírito e o futuro da Europa, a vindoura era mundial e a nova Idade Média?!? Como não iria falar com uma seriedade inexcedível sobre a situação da universidade e seu funcionamento?!? Como não iria perguntar se o homem é uma travessia ou um enfado para os deuses?!? Será ele um comediante? – quem há de saber? Se ele não o fosse, porém, que começo contraditório seria este! Não seria este um começo em que o filosofar se perfaz como um diálogo derradeiro, como algo maximamente extremo, no qual o homem é singularizado em seu ser-aí, ao mesmo tempo que o professor fala para as massas? Se ele é realmente um filosofante, por que abandona a solidão e vagueia pela praça como um professor público? E antes de tudo: que começo perigoso reside nesta atitude dúbia!

Nós não estamos senão falando para muitos? Se olharmos mais incisivamente, será que os convencemos? Será que os convencemos baseados em uma autoridade que de modo algum possuímos, mas que, mesmo quando não a queremos, se estende a partir de causas diversas, assumindo também na maioria das vezes e de alguma maneira formas diversas? Pois em que se funda esta autoridade com a qual convencemos silenciosamente? Esta autoridade não provém do fato de sermos encarregados de um poder mais elevado; tampouco do fato de sermos mais sábios e mais astutos do que os outros, mas somente do fato de não sermos entendidos. Esta autoridade duvidosa só trabalha para nós enquanto não somos entendidos. No momento em que somos entendidos, vem à luz se filosofamos ou não. Se não filosofamos, esta autoridade sucumbe por si mesma e em si mesma. Se filosofamos, no entanto, ela nunca esteve realmente aí. Torna-se pela primeira vez evidente que o filosofar é fundamentalmente próprio a todo e qualquer homem, que certos homens só puderam e precisaram ter este destino notável em nome de serem para outros o ensejo do despertar da filosofia. Assim, aquele que ensina não está excetuado (19) da dubiedade, mas traz consigo, logo ao entrar em cena como alguém que ensina, uma aparência anterior a si mesmo. Desta maneira, toda e qualquer preleção de filosofia, seja ou não um filosofar, é um começo dúbio; dúbio de uma maneira que as ciências não conhecem.

Daniel Panis

McNeill

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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