Se frisamos: um ser junto a… já se encontra à base da enunciação, então se impõe a pergunta acerca de como se deve esclarecer esse ser junto a… no que diz respeito à sua possibilidade interna. Ser junto a…, permanecer junto a… caracterizam inicialmente um modo, em conformidade com o qual nós, os homens, somos. O ente que, como homem, cada um de nós mesmos é, denominamos o ser-aí humano, ou, de maneira sucinta, ser-aí. Denominamos existência um caráter fundamental do modo como o ser-aí é 1. O ser-aí e somente ele existe. Somente o homem tem existência. Mesmo aqui o termo “existência” continua sendo ambíguo. Ele significa: 1. O modo de ser genérico do ser-aí; 2. e o próprio ser-aí, porque o modo de ser prevalecente nos diversos aspectos não é o único, mas é acompanhado ao mesmo tempo por outros.
Isso não significa que outro ente não seria efetivamente real, mas apenas que o modo de ser junto a um outro ente é fundamentalmente diverso. Animais e plantas vivem; as coisas materiais, a “natureza” em um sentido totalmente definido, subsistem por si; as coisas de uso são à mão. Terminologicamente resulta daí o paradoxo de que o homem não vive, mas existe. Certamente, uma interpretação mais exata da existência é capaz de mostrar que o homem “de mais a mais também vive”, mas que o que constitui o modo de ser do animal e da planta como vida recebe no interior da existência do homem, porquanto ele possui um corpo, um sentido totalmente diverso e próprio 2. Diferentemente do modo de ser das coisas (75) como, por exemplo, as pedras e os cascalhos, coisas como o giz, o apagador, o quadro-negro, a porta, a janela possuem um modo de ser totalmente diverso que designamos como o seu ser à mão. Além disso, há coisas do gênero do espaço e do número que tampouco se mostram como um nada e, uma vez que são algo, acabam de alguma forma sendo; deles dizemos que são consistentes; eles possuem consistência. Desse modo, considerando esses diversos tipos de ser do ente, podemos realizar a divisão da seguinte forma: o existente, os homens; o vivente: as plantas e os animais; o ente por si subsistente: as coisas materiais; as coisas que são à mão: as coisas de uso no sentido mais amplo possível; as coisas que são consistentes: o número e o espaço. Segundo esses tipos fundamentais de ser, podemos caracterizar âmbitos ônticos, apesar de o aspecto desses âmbitos não ser essencial e primário. O existente, o vivente, o por si subsistente, o que é à mão não são âmbitos impelidos a enfileirar-se um ao lado do outro. Ao contrário, eles são apenas conceitos metódicos de apreensão. Completamente diversa dessa apreensão da natureza é a “natureza” no sentido de cosmos ou como conceito oposto à arte; esse problema tem, contudo, um lugar totalmente distinto.
(…)
Ser junto a… é um modo de ser que advém ao ente que existe, o qual tem justamente esse modo fundamental e específico de ser, um modo fundamental de ser que se manifesta, mesmo que apenas em um aspecto, nesse ser junto a… Se esse ser junto a… é uma modalidade da existência do ser-aí, então é preciso que a (76) possibilidade interna dessa modalidade seja esclarecida, sendo que essa possibilidade só se deixa esclarecer na medida em que compreendamos de modo satisfatório a existência do ser-aí, isto é, o ser-aí como tal. Todavia, o ser-aí não é nada além do que designamos até aqui por “sujeito”, o sujeito que se encontra na dita relação com objetos. [GA27PT:74-76]
- Deus – essentia – existentia. A essência de Deus pertence a existência (realidade efetiva); segundo sua essência, ele é aquele que não pode não ser. Sua essência: ens realissimum. Se Deus não fosse efetivamente real, lhe faltaria algo; como nada pode lhe faltar, ele precisa existir. Prova ontológica da existência de Deus, ou seja, a prova da realidade efetiva de Deus a partir de sua constituição ontológica, a partir de sua essência. Crítica desse argumento por Tomás de Aquino, Kant e Schelling.[↩]
- Heidegger tratou explicitamente do modo de ser do vivente na segunda parte de sua preleção de 1929-1930, Os conceitos fundamentais da metafísica (Mundo — Finitude — Solidão). (N. do T.)[↩]