GA27:331-333 — Não – Nulidade – Nichtigkeit

Casanova

Deixamos em aberto a pergunta que questionava se todo e qualquer si mesmo como tal precisa necessariamente ter-sido-jogado ou não. No entanto, basta fazer a pergunta para ver que a respectiva existência de um ser-aí em vista de sua facticidade é expressa por meio do ter-sido-jogado. Isso quer dizer: 1. Nenhum ser-aí chega à existência em razão de sua própria resolução e decisão; 2. Nenhum ser-aí pode, ao existir, tornar compreensível para si a cada vez que ele necessariamente precisa existir, ou seja, que ele não poderia não existir. Todo e qualquer ser-aí também pode não ser.

Essa não é, com efeito, uma proposição simplesmente objetiva que enunciamos sobre o ser-aí, mas todo e qualquer ser-aí já sempre compreende de modo mais ou menos expresso e em diversas formas e imagens que ele não apenas poderia efetivamente não ser, mas poderia constantemente deixar de existir. Na medida em que o compreender pertence à essência do existir, isso significa: o ser-aí existe constantemente ao longo dessa margem do não 1. Isso significa: no ser-colocado-diante-de-si em vista de suas possibilidades próprias também se mostra sempre o poder-não-ser. Esse “não” aqui em jogo não é absolutamente algo que resida fora do ser-aí e que lhe possamos atribuir extrinsecamente a partir de um discurso insistentemente vazio. Ao contrário, esse caráter de não pertence à essência de seu ser. O ser-aí tem esse caráter de não, ele é determinado por esse não, por esse “nulo”. No entanto, nulo não significa aqui “nada”, mas antes o inverso: essa nulidade, que não é nem de longe exaurida por meio do que foi dito agora, constitui o que há de mais positivo no que pode pertencer à transcendência do ser-aí: sim, precisamente nessa determinação originária coincidem o-em-virtude-de e o ter-sido-jogado. Precisamos caracterizar essa nulidade em algumas direções, sem determinar, contudo, o problema como um todo.

A explicitação dessa nulidade radicada na constituição essencial do próprio ser-aí não se confunde de maneira alguma com uma explicação desse ente sob a forma de um juízo de valor, uma explicação que o toma por “nulo” no sentido de insignificante ou mesmo do que não vale para nada. Ao contrário, trata-se de trazer à luz a incisividade que reside no ser-aí e compreender que o que denominamos a “finitude do ser-aí” não é nada que se possa anexar a esse ente apenas extrinsecamente e que só surgiria então por meio de uma comparação com outros entes que ele não é. Durante muito tempo, a metafísica viu-se ensandecida pelo positivo que, em razão de sua aparente primazia sobre o negativo, se arroga ser o absoluto e originário. Foi de acordo com esse pressuposto que se construíram a nossa lógica tradicional, a nossa ontologia e a nossa doutrina das categorias. Seus conceitos não nos levam longe o suficiente para que possamos alcançar o que se tem em vista com o termo “nulidade”. A caracterização da “finitude” por meio do ente criado é apenas uma forma determinada de esclarecimento da finitude e, com efeito, uma forma que não repousa senão sobre a “crença”; ela não é, porém, uma clarificação da essência metafísica da finitude como tal.

Portanto, o caráter de não 2 é justamente a força propriamente dita da existência do ser-aí; e, com efeito, a nulidade do ser-aí não reside de maneira alguma apenas no fato de ele ter sido jogado (na existência), o que podemos expressar resumidamente da seguinte forma: o ser-aí é impotente quanto ao fato de efetivamente existir, mas não é impotente quanto ao fato de não existir. (p. 354-356)

Redondo

Original

  1. Heidegger cunha alguns termos para designar a relação do ser-aí com o nada e o não. Um desses termos é Nichtigkeit, traduzido acima por “nulidade”. No alemão cotidiano, Nichtigkeit exprime nulidade como entrega ao que é pequeno e irrelevante, como futilidade. Nessa passagem do texto da Introdução à filosofia, Heidegger faz um uso diverso do termo. O que está em questão aqui não é a futilidade do ser-aí, mas o fato de o ser-aí ser determinado originariamente por uma radical ausência de propriedades e por uma relação essencial com o nada. Ele é o ente nulo por princípio, uma vez que todas as suas determinações surgem em sintonia com o seu caráter de poder-ser. (N. do T.)[↩]
  2. Der Nicht-charakter. Mais um dos termos heideggerianos para descrever a articulação originária entre ser-aí e nada. (N. do T.)[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

Designed with WordPress