GA27:187-188 – a intelecção epocal de Galileu

Casanova

A intelecção epocal de Galileu foi reconhecer que, caso eu queira, por meio do experimento, interrogar a natureza quanto ao que ela é e como ela é, já preciso ter antes de tudo um conceito do que compreendo por “natureza”: que uma delimitação do que é compreendido por natureza precisa anteceder toda investigação dos fatos, todo experimento. No entanto, Galileu não formulou essa pergunta de maneira puramente platônica. Ao contrário, ele fixou um conceito de natureza segundo o qual a natureza é tomada como uma conexão de corpos móveis, de entes cujo caráter fundamental reside na extensão espacial e temporal, sendo que movimento não é outra coisa senão alteração de lugar no tempo. Por meio dessa determinação fundamental da natureza, a multiplicidade do ente é imediatamente homogeneizada, isto é, ela assume um mesmo modo de ser no sentido de que a natureza é determinada de uma maneira uniforme em termos quantitativo-matemáticos tanto em relação ao seu caráter espacial quanto em relação ao seu caráter temporal.

Com isso, porém, também não tocamos a essência propriamente dita da fundamentação da física matemática. Essa realização de Galileu só constituiu uma fundamentação da física porque o elemento matemático, a determinabilidade quantitativa, não é outra coisa senão uma determinação essencial do corpo como um ente extenso que se movimenta. A física matemática tornou-se uma ciência autêntica porque, por meio do caráter do elemento matemático, ela determina de antemão a constituição ontológica daquilo que pertence a uma coisa natural. O caráter matemático da física coloca à base de todas as suas investigações experimentais um conceito clarificado da constituição ontológica do ente que é aí elaborado, a saber, a natureza. E a partir daí que compreendemos a sentença kantiana: toda doutrina particular da natureza só é ciência na medida em que contém matemática. Isso significa: uma ciência só é ciência na medida em que consegue circunscrever previamente a constituição essencial do ente que ela trata. Esse é o caráter propriamente matemático da física. [GA27MAC:200-201]

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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