GA27:13-15 – filosofia é uma ciência absoluta?

Casanova

A ciência é um dos poderes que determinam o que podemos em certa medida chamar a atmosfera da universidade. No entanto, ciências não são uma acumulação ou um amontoamento de saber que é ensinado e aprendido de maneira técnico-disciplinar. Ao contrário, pertence primariamente ao conceito de ciência que ela seja investigação. A ciência só existe em meio à paixão do perguntar, em meio ao entusiasmo do descobrir, em meio à inexorabilidade da prestação de contas crítica, da demonstração e da fundamentação.

Não é apenas uma peculiaridade extrínseca da universidade alemã, mas constitui seu primado interno e a fonte de energia de sua existência histórica o fato de ela não ser nenhuma escola especializada. Ao contrário, mesmo o necessário saber especializado é adaptado em seu transcurso por meio do trabalho investigativo, direcionando-se de modo mais ou menos sério e penetrante ao trato dos problemas, nos quais a ciência efetivamente se encontra.

Visto que a ciência determina dessa maneira a universidade e visto que a filosofia é ensinada como uma matéria entre outras, perguntamos pela relação da filosofia com as ciências. Ela é uma disciplina entre outras ou será que ela se distingue pelo fato de ser a ciência universal? Ou será, ainda, que ela não é de maneira (16) alguma apenas a ciência que colige todas as demais, mas aquela que até mesmo as fundamenta, a ciência fundamental?

Todas essas questões se movimentam sobre o solo da pressuposição geral de que a filosofia é em todos os casos uma ciência. De fato, é uma característica da filosofia moderna desde Descartes que ela, em investidas sempre novas, tente se elevar à categoria de uma ciência, aliás, à categoria da ciência absoluta. Precisamos deixar de lado as perguntas específicas sobre como a filosofia se relaciona com as demais ciências e responder inicialmente ao seguinte: afinal, a filosofia é uma ciência? Faz sentido falar de uma filosofia científica e querer fundamentar a filosofia como “ciência, rigorosa”?

Quanto à pergunta sobre se a filosofia é uma ciência, precisamos dizer de antemão: não, a filosofia não é nenhuma ciência. Será que a filosofia é então, por natureza, não-científica, será que ela não pertence à universidade, será afinal que têm razão aqueles que, seguindo Schopenhauer e Nietzsche, tomam a “filosofia universitária” por um construto extremamente questionável? Sim e não. Será que o empenho da filosofia moderna desde Descartes, passando por Kant e Hegel, e chegando até Husserl, o empenho por elevar a filosofia à categoria de ciência não é apenas vão, mas fundamentalmente equivocado em seu intuito? Sim e não. Será que o título “filosofia científica” é afinal tão absurdo quanto o conceito “ferro lígneo”? Sim e não. Com a tese de que a “filosofia não é nenhuma ciência” também não se está negando e contestando justamente o esforço que a fenomenologia vem fazendo há décadas para fundamentar a “filosofia como ciência rigorosa” (é esse o título de um conhecido ensaio de Husserl, publicado na revista Logos I, 1910)? Sim e não.

Portanto, a nossa tese de que a “filosofia não é nenhuma ciência” permanece inicialmente ambígua, e isso precisa ser assim, uma vez que ela só se enuncia por meio de uma negativa e diz apenas de modo genérico o que a filosofia não é. Do fato de a filosofia não ser ciência talvez não resulte absolutamente que ela precise ser ou mesmo apenas possa ser “não-científica”. [GA27MAC:15-16]

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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