GA27 – theoretikos, theorein, theoros, theoria

theoretikos, theoros, theoria remetem etimologicamente a thea e a wor (orao). Em primeiro lugar, theoros quer dizer o espectador junto a algo que oferece uma visão ou um aspecto, por exemplo, o turista que vai a uma cidade para assistir aos jogos olímpicos; theorein é olhar, contemplar, imergir na contemplação, deter-se na visão sobrepujante; por isso, em particular, [citação em grego] [contemplação do céu e da ordem que impera em todo o cosmos]. Em Heródoto (I 29), theoria designa a contemplação do mundo. tr. Casanova; GA27: §23]

Em Platão, theorein é o ato de olhar e de contemplar o mundo sensível e o mundo supra-sensível. O conceito da ideia platônica surgiu a partir dessa postura fundamental da theoria, do theorein. theoretikos ainda não é um termo usado por Platão e aparece pela primeira vez em Aristóteles, significando o poder comportar-se dessa forma, ou seja, a contemplação como possibilidade. tr. Casanova; GA27: §23]

Portanto, bios theoretikos é uma nova postura fundamental do ser-aí humano, uma postura que se mostra como uma contemplação detida da totalidade do mundo. Aristóteles dá à theoria o sentido de comportamento “teórico” (no sentido grego). A palavra theoretikos é uma cunhagem sua. Ele vê na theoria a mobilidade própria da vida, o sentido mais puro da energeia, ou seja, o “primeiro” movimento como tal, to theion. O que vem a seguir é o aei. tr. Casanova; GA27: §23]

É característico da etimologia dos filólogos antigos posteriores a Aristóteles o fato de terem relacionado theos e theoria à contemplação das coisas divinas, ao que nos subjuga, a Deus, ao theos. Logo depois de Aristóteles, o próprio conceito aristotélico de Deus é reinterpretado em termos ético-religiosos, ou seja, esse seu conceito [181] fornece a estrutura conceitual a tal reinterpretação. O desenvolvimento da theoria na escola cética de Antióquia leva então ao fato de não se diferenciar o “âmbito teórico” apenas do “âmbito prático”, mas de diferenciá-lo também da interpretação consonante com a fé, ou seja, ele passa a ser compreendido como o âmbito das coisas que se dão “a partir da mera razão”. Assim, a etimologia dada por Alexandre de Afrodísia é compreensível e constitui-se como um documento importante para a história tanto do significado do conceito aristotélico de Deus quanto do sentido do termo theoria: [citação em grego] [Pois o theorein, como o nome indica, refere-se ao conhecimento das coisas divinas, uma vez que significa ver as coisas divinas]. Na escola exegética de Antióquia (que, do ponto de vista filosófico, achava-se uma vez mais sob uma influência puramente aristotélica), theoria é o mesmo que istoria; istoria: notícia do ente, não no sentido particular do termo “histórico”; eventos naturais também contam nesse caso, como terremotos e coisas do gênero. tr. Casanova; GA27: §23]

Assim como istoria, a theoria é investigação científica dos fatos em contraposição à allegoria como interpretação místico-histórico-salvítica, origenes. Tipologia skia ton mellonton (sombra das coisas que estão por vir) por oposição a soma (por oposição ao real). tr. Casanova; GA27: §23]

K 7: [citação em grego] [Se a felicidade é uma atividade conforme à virtude, então é razoável dizer que ela é conforme à virtude mais excelente – 1177 a 12 s.]. [citação em grego] [Pois essa atividade teórica é a mais excelente… O pensamento é mesmo o mais excelente em nós… assim como os objetos do pensamento – 1177a 19 ss.]. [citação em grego] (Em comparação ao homem, o pensamento é algo divino – 1177b 30). A postura teórica fundamental é aquela praxis na qual o homem pode ser propriamente homem. Com certeza é preciso atentar para o fato de a theoria não ser apenas uma praxis em geral, mas a praxis mais própria. tr. Casanova; GA27: §24]

É possível que Aristóteles tenha pressentido aqui a existência de algo à primeira vista incompatível, a theoria como aristos bios e esse praktikos. Na Metafísica A 1 e 2, Aristóteles expõe detalhadamente como a postura teórica vai se formando por meio da abstração cada vez maior da utilidade e do emprego “práticos”, até não ter por meta outra coisa senão a consideração do ente nele mesmo, me pros chresin (não por utilidade). Como é então que a theoria ainda pode ser denominada prática? Todavia, não seria preciso que ela fosse prática se o aristos bios é ò praktikos? Aristóteles responde a essa objeção de maneira totalmente unívoca na Política Êta (VII) 3, 1325b 16: [citação em grego]. Mas tampouco é necessário que o agente estabeleça as suas ações em relação com os outros, como alguns pensam; as coisas também não se dão de um tal modo que somente as reflexões que acontecem em vista do que emerge de uma ação seriam reflexões práticas. Ao contrário, práticos são, antes, aquele agir que apresenta em si mesmo a sua própria consumação, assim como aquelas considerações que são realizadas em virtude de si mesmas. Pois o telos do homem é a eupraxia [a ação plena]. tr. Casanova; GA27: §24]

Assim, fica claro que a contemplação pensante é também um agir. Mas por que justamente a theoria deve ser o bios supremo, a eupraxia pura e simplesmente? Em que medida, então, o theorein, a postura teórica é a praxis mais elevada, o agir propriamente dito? De início poder-se-ia dizer que toda contemplação é contemplação de algo, de um ente. Portanto, esse agir também depende daquilo com o que ele se relaciona. Ouvimos, além disso, que o agathon akrotaton deveria permanecer supostamente estável. Todavia, o ente muda, surge e perece, de modo que não oferece, sem maiores problemas, um bem estável. Como é que Aristóteles responderia a isso? Certamente, o theorein se relaciona com os ta onta. No entanto, a única coisa que é em sentido próprio é aquela que nunca deixa de ser, que sendo é sempre, aei ón. Somente na medida em que a contemplação pura se dirige para o que é sempre ela pode conferir a si própria, enquanto se detiver junto àquilo que permanece, o caráter da presença constante. tr. Casanova; GA27: §24]

Contudo, está claro que apenas se mostrou com mais ênfase que a theoria como praxis depende do eteron, do outro. Em que medida ela pode ser então autoteles e, somente em razão desse caráter, chegar a se mostrar como um [citação em grego] [um bem próprio do homem]? Em que medida a theoria é uma praxis autoteles, uma praxis dirigida para o ente, mas que, não obstante, possui o telos no seu ser-aí, uma praxis que possui a consumação em si justamente ao estar dirigida para o ente, para fora de si, para fora da ação? Precisamente a essência da ação, para que essa ação mesma possa se mostrar como telos, não precisa ser apreendida nesse processo. Todavia, os objetos são efetivamente eteron. tr. Casanova; GA27: §24]

Na pergunta acerca da essência da ciência, o horizonte de determinação é desde o começo mais unívoco: ciência é um tipo de conhecimento – mas e a visão de mundo? Com efeito, parecemos compreender o que significa “mundo” e o que quer dizer “visão”. No entanto, também se mostra imediatamente que com a expressão “visão de mundo” não temos em mente um ver, um contemplar tomado como uma observação. Também não temos em mente uma contemplação pré-científica ou uma contemplação científica – theoria. Ver tampouco designa a contemplação estética, artística; e isso a tal ponto que chegamos mesmo a atribuir ao próprio artista sempre uma visão de mundo que fala em e a partir de suas obras. Visão também não constitui um ato de intuição qualquer, particularmente enigmático, uma faculdade particular de ver as coisas que estão veladas para outros. Visão de mundo não é nenhuma mera contemplação das coisas, tampouco uma soma do saber sobre elas; visão de mundo é sempre tomada de posição e, com efeito, uma tomada de posição tal que realizamos por convicção própria, seja ela uma convicção própria e expressamente formada, seja ela uma convicção que nós pura e simplesmente compartilhamos com outros ou reproduzimos de outros, uma convicção que acabamos assumindo. tr. Casanova; GA27: §32]

 

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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