GA26:171-177 – A expressão neutra “Dasein”

tradução parcial

1. O termo “homem” não foi utilizado para aquele ente que é o tema da análise. Em vez disso, o termo neutro Dasein foi escolhido. Com isso, designamos o ente para o qual seu próprio modo de ser, em um sentido definido, não é indiferente.

2. A neutralidade peculiar do termo “Dasein” é essencial, porque a interpretação desse ente deve ser realizada antes de toda concretização factual. Essa neutralidade também indica que o Dasein não é um dos dois sexos. Mas aqui a assexualidade não é a indiferença de um vazio vácuo, a fraca negatividade de um nada ôntico indiferente. Em sua neutralidade, o Dasein não é o indiferente ninguém e todos, mas a positividade e a potência primordiais da essência.

3. A neutralidade não é a vacuidade de uma abstração, mas precisamente a potência da origem, que carrega em si a possibilidade intrínseca de toda humanidade factual concreta.

4. Dasein neutro nunca é o que existe; Dasein existe em cada caso apenas em sua concreção factual. Mas o Dasein neutro é realmente a fonte primordial de possibilidade intrínseca que surge em toda existência e a torna intrinsecamente possível. A análise sempre fala apenas no Dasein sobre o Dasein daqueles que existem, mas não fala ao Dasein (ser-aí) daqueles que existem; isso seria um absurdo, pois só se pode falar àqueles que existem. A análise do Dasein é, portanto, anterior a todas as visões de mundo profetizando e anunciando; nem é sabedoria, algo disponível apenas na estrutura da metafísica. A filosofia da vida, Lebensphilosophie, tem um preconceito contra essa análise como um “sistema de Dasein”. Isso surge de uma inquietação com os conceitos e mostra um mal-entendido dos conceitos e da “sistemática” como uma arquitetura que é pensativa, embora histórica (geschichtlich).

5. Este Dasein neutro também não é o indivíduo egocêntrico, o indivíduo ôntico isolado. A egoidade do indivíduo não se torna o centro de toda a problemática. No entanto, o conteúdo essencial do Dasein, em sua existência para pertencer a si mesmo, deve ser retomado junto com a abordagem. A abordagem que começa com a neutralidade implica um isolamento peculiar do ser humano, mas não no sentido factual existente, como se aquele que filosofasse fosse o centro do mundo. Pelo contrário, é o isolamento metafísico do ser humano.

6. Como tal, o Dasein abriga a possibilidade intrínseca de ser disperso factualmente no corpo e, portanto, na sexualidade. A neutralidade metafísica do ser humano, quase isolada como Dasein, não é uma abstração vazia do ôntico, um nem-nem; é antes a concretude autêntica da origem, o ainda não da dispersão (Zerstreutheit) factual. Como factual, o Dasein é, entre outras coisas, disperso em cada corpo e, concomitantemente, entre outras coisas, em cada caso desunido (Zwiesprutig) em uma sexualidade particular. “Dispersão”, “desunião” parecem negativos inicialmente (como “destruição”), e conceitos negativos como esses, tomados onticamente, estão associados a avaliações negativas. Mas aqui estamos lidando com outra coisa, com uma descrição da multiplicação (não “multiplicidade”) que está presente em todos os factualmente individualizados Daseins como tal. Não estamos lidando com a noção de que um grande ente primitivo, em sua simplicidade, se divide onticamente em muitos indivíduos, mas com o esclarecimento da possibilidade intrínseca de multiplicação que, como veremos com mais precisão, está presente em todo Dasein e para a qual a modalidade apresenta um fator organizador. A multiplicidade também não é, no entanto, uma mera pluralidade formal de determinações, mas a multiplicidade pertence ao próprio ser. Em outras palavras, em seu conceito metafisicamente neutro, a essência de Dasein já contém uma doação primordial (Streuung), que é, de um modo bem definido, uma disseminação (Zerstreuung). E aqui está uma indicação aproximada. Como existente, o Dasein nunca se refere apenas a um objeto específico; se estiver relacionado apenas a um objeto, fá-lo apenas no modo de se afastar de outros entes que estão de antemão e, ao mesmo tempo, aparecendo junto com o objeto. Essa multiplicidade não ocorre porque existem vários objetos, mas vice-versa. Isso também vale para o comportamento de si mesmo e ocorre de acordo com a estrutura da historicidade no sentido mais amplo, na medida em que o Dasein ocorre quando se estende ao longo do tempo. Outra possibilidade essencial da disseminação factual do Dasein é sua espacialidade. O fenômeno da disseminação do Dasein no espaço é visto, por exemplo, no fato de que todas as línguas são modeladas principalmente por significados espaciais. Esse fenômeno só pode ser explicado pela de prima quando o problema metafísico do espaço é colocado, um problema que se torna visível depois que passamos pelo problema da temporalidade (em termos radicais, essa é a metontologia da espacialidade; cf. apêndice).

García Norro

Heim

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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