GA24:36-37 – Dasein em Kant e em Heidegger

Casanova

Primeiramente, porém, faz-se necessária uma observação terminológica genérica. Kant fala, tal como o mostra o título do Argumento, de uma prova da existência de Deus. Do mesmo modo, ele fala da existência das coisas fora de nós, da existência da natureza. Esse conceito de existência (Dasein) em Kant corresponde ao termo escolástico existentia. Por isso, ao invés de Dasein (existência, ser-aí), Kant também utiliza as expressões Existenz (existência) e Wirklichkeit (realidade efetiva). Nosso uso terminológico é, em contrapartida, diverso: ele é um uso que, como se mostrará, é materialmente fundamentado. Aquilo que Kant denomina ser-aí ou existência e aquilo que a escolástica denomina existentia, nós designamos terminologicamente com a expressão “o ser presente à vista” ou “presença à vista”. Trata-se do título para as coisas naturais em sentido maximamente amplo. A escolha dessa expressão mesma precisa se justificar no transcurso da preleção a partir do sentido específico a esse modo de ser que exige a expressão “o presente à vista”, “presença à vista”. Husserl articula-se em sua terminologia com Kant, empregando, portanto, o conceito de ser-aí (existência) no sentido de ser presente à vista. A expressão “ser-aí”, em contrapartida, não designa para nós como para Kant o modo de ser das coisas naturais, ela não designa absolutamente nenhum modo de ser, mas um determinado ente, que nós mesmos somos, o ser-aí humano. Nós somos a cada vez um ser-aí. Nós determinamos o modo de ser do ser-aí terminologicamente como existência, sendo que é preciso observar que existência ou o discurso acerca do fato de o ser-aí existir não são a única determinação do gênero ontológico de nós mesmos. Nós tomaremos contato com três coisas, que estão certamente enraizadas em um sentido específico na existência. Para Kant e para a Escolástica, a existência é o modo de ser das coisas naturais; para nós, em contrapartida, ela é o modo de ser do ser-aí. Por conseguinte, pode-se dizer (47) de maneira exemplar: um corpo físico nunca existe, mas é presente à vista. Inversamente, o ser-aí, nós mesmos, nunca somos presentes à vista, mas o ser-aí existe. Ser-aí e corpo físico são, porém, enquanto um existente e enquanto algo presente à vista, respectivamente entes. Consequentemente, nem tudo aquilo que não está presente à vista é um não ente: ele também pode muito mais existir ou, como ainda veremos, possuir consistência ou ser de um outro gênero ontológico.

Precisamos distinguir acentuadamente o conceito kantiano de realidade de seu conceito de ser-aí ou existência como equivalente a estar presente à vista enquanto modo de ser das coisas, assim como de nosso uso terminológico de presença à vista. Tanto para Kant quanto para a escolástica com a qual Kant se articula, essa expressão não significa aquilo que se compreende hoje pura e simplesmente pelo conceito de realidade, quando se fala, por exemplo, da realidade do mundo exterior. No uso linguístico atual, realidade significa o mesmo que realidade efetiva, existência ou ser-aí no sentido de estar presente à vista. O conceito kantiano de realidade é, como veremos, totalmente diverso. Depende da compreensão desse conceito a compreensão da tese: ser não é nenhum predicado real. (p. 46-47)

Courtine

García Norro

Original

  1. Cf. avant-propos du traducteur p. 12. (N.d.T.)[↩]
  2. Cf plus loin. § 13. (N.d.T.)[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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