GA24:177-178 – EGO – EU

Casanova

(185) Kant se mantém fundamentalmente junto à determinação de Descartes. Por mais essenciais que tenham se tornado e que permaneçam sendo sempre as investigações kantianas para a interpretação ontológica da subjetividade, o eu, o ego, é para ele tanto quanto para Descartes, res cogitans, res, algo que pensa, isto é, que representa, percebe, julga, concorda, rejeita, mas também ama, odeia, possui aspirações etc. Todas essas posturas comportamentais são designadas por Descartes cogitationes. O eu é algo que possui essas cogitationes. Cogitare, porém, sempre significa, segundo Descartes, cogito me cogitare. Toda representação é um eu-represento, todo julgar é um eu-julgo, todo querer é um eu-quero. O eu-penso, o me-cogitare, é respectivamente correpresentado, apesar de não ser visado de maneira explícita e expressa.

Kant acolhe essa determinação do ego como res cogitans no sentido do cogito me cogitare, só que ele a concebe de maneira ontologicamente mais principial. Ele diz: o eu é aquilo cujas determinações são as representações (Vorstellungen) no sentido pleno de repraesentatio. Nós sabemos que determinação (Bestimmung) não é um conceito e um termo arbitrários em Kant, mas antes a tradução do termo determinatio ou realitas. O eu é uma res, cujas realidades são as representações, as cogitationes. Tendo essas determinações, o eu é res cogitans. Precisamos compreender por res exclusivamente aquilo que o conceito ontológico rigoroso tem em vista: algo. Essas determinações, porém, determinationes ou realitates, são na ontologia tradicional — lembremo-nos da Metafísica de Baumgarten § 36 — as notae ou os praedicata, os predicados das coisas. As determinações são os predicados do eu, os predicados. Aquilo que possui os predicados é denominado na gramática e na lógica geral o sujeito. O eu como res cogitans é um sujeito no sentido lógico-gramatical daquilo que possui predicados. Precisamos tomar aqui subjectum como uma categoria apofântico-formal. “Apofântico” é um termo para designar uma categoria tal que pertence à estrutura daquilo que é em geral a estrutura formal do conteúdo enunciativo de um enunciado. Em todo e (186) qualquer enunciado, algo é enunciado de algo. Aquilo de que se enuncia algo, o sobre-o-que se enuncia, é o subjectum, aquilo que se encontra à base do enunciado. O quid enunciado é o predicado. O eu, que possui as determinações, é como qualquer outro algo um subjectum, que possui predicados. Mas como é que esse sujeito “possui” enquanto um eu seus predicados, as representações? Essa res é cogitans, esse algo pensa, e isso significa o seguinte de acordo com Descartes: cogitat se cogitare. O ser pensante do que pensa é co-pensado no pensar. O ter das determinações, dos predicados, é um saber sobre eles. O eu como sujeito, considerado sempre ainda no sentido gramaticalmente apofântico-formal, é algo que possui seus predicados de maneira sapiente. Pensando, eu sei esse pensar como meu pensar. Eu sei como esse estranho sujeito os predicados que tenho. Eu me sei. Com base nesse ter insigne de seus predicados, esse sujeito é um sujeito insigne, isto é, o eu é o sujeito katoexochen. O eu é sujeito no sentido da autoconsciência. Esse sujeito não é apenas diverso de seus predicados, mas ele os possui como predicados sabidos, ou seja, como objetos. Essa res cogitans, o algo que pensa, é sujeito de predicados e, enquanto esse sujeito, ele é para objetos. [GA24:177-178; PFF:185-186]

Norro

Courtine

Original

  1. Cf. en particulier, GA32, p. 194; V. u. A., p. 74; Nietzsche, Il, p. 153. (N.d.T.)[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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