Ainda podemos exprimir a consonância (Einstimmigkeit) do direcionamento desse caminho (Wegrichtung) em meio às interpretações filosóficas de ser e realidade efetiva (Wirklichkeit) por meio de uma outra formulação do problema. Ser, realidade efetiva e existência (Existenz) estão entre os conceitos mais gerais que o eu por assim dizer traz consigo. Por isso, costumou-se denominar e ainda se denominam esses conceitos “ideias inatas” (eingeborene Ideen), ideae innatae. Elas acham-se por natureza no ser-aí humano. Com base em sua constituição ontológica (Seinsverfassung), esse ser-aí traz consigo um ver (Sehen), ιδειν, uma compreensão de ser (Verstehen von Sein), realidade efetiva (Wirklichkeit), existência (Existenz). Leibniz diz (113) em muitas passagens, ainda que de maneira muito mais tosca e plurissignificativa do que Kant, que só apreendemos na reflexão sobre nós mesmos o que seriam ser, substância (Substanz), identidade (Identität), duração (Dauer), transformação (Veränderung), causa (Ursache) e efeito (Wirkung). A doutrina do ser inato das ideias impera inteiramente de maneira mais ou menos clara sobre toda a filosofia. Contudo, ela é mais um desvio e um afastamento do problema do que uma solução. As pessoas se recolhem de maneira simples demais em um ente e nas propriedades desse ente, o ser inato (Eingeborenheit), uma propriedade que não se esclarece mais ulteriormente. O ser inato não deve ser entendido aqui, por mais obscuramente que ele seja concebido, no sentido fisiológico-biológico, mas deve ser dito com ele o fato de que ser e existência são compreendidos antes do que o ente. Mas isso não significa que ser, existência e realidade efetiva seriam aquilo que o indivíduo particular primeiramente apreende em seu desenvolvimento biológico – que as crianças primeiro compreenderiam o que é existência. Ao contrário, essa expressão plurissignificativa “ser inato” indica apenas o anterior, o antecedente, o a priori, que se identifica desde Descartes até Hegel com o subjetivo. Só podemos arrancar desse beco sem saída o problema do esclarecimento de ser ou colocar esse problema pela primeira vez propriamente como problema, se perguntarmos: O que significa esse ser-inato, como é que ele é possível com base na constituição ontológica do ser-aí – como precisamos circunscrevê-lo? O ser-inato não é nenhum fato fisiológico-biológico, mas seu sentido reside na direção de que ser, existência, é anterior ao ente. Ele precisa ser concebido no sentido filosófico-ontológico. Por isso, também não se pode achar que esses conceitos e princípios seriam inatos, porque todos os homens reconhecem a validade dessas proposições. A concordância dos homens quanto à validade do princípio de não contradição é simplesmente um sinal do ser-inato, mas não o seu fundamento. O retorno à concordância e ao assentimento geral ainda não é nenhuma fundamentação filosófica dos axiomas lógicos ou ontológicos. Nós veremos em meio à consideração da segunda tese, a tese de que a todo ente pertence um quid e um modo de ser, o fato de que (114) se abre lá o mesmo horizonte, isto é, a tentativa de esclarecer os conceitos de ser a partir do retomo ao ser-aí do homem. Com certeza, também se mostrará que esse retorno, precisamente no que concerne a esse problema na ontologia antiga e medieval, não é tão expressamente formulado quanto em Kant. Faticamente, porém, ele se acha presente diante de nós.
(HEIDEGGER, Martin. Os problemas fundamentais da fenomenologia. Tr. Marco Antônio Casanova. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 112-114)