GA19:15-17 – O significado da palavra aletheia

Casanova

Os gregos têm uma expressão característica para a verdade : ἀλήθεια (verdade – desvelamento). Ο α é um a-privativo. Eles possuem, portanto, uma expressão negativa para uma coisa que compreendemos positivamente. “Verdade” tem para os gregos o mesmo significado negativo que, em alemão, por exemplo, “Unvollkommenheit” (imperfeição). Essa expressão não é pura e simplesmente negativa, mas negativa de uma maneira específica. Aquilo que exprimimos como imperfeito não possui, em geral, nada em comum com a perfeição, mas se orienta precisamente por ela: em relação à perfeição, ele não é como deveria ser. Essa negação é uma negação totalmente peculiar. Ela se acha com frequência velada nas palavras e significados, por exemplo, na palavra “cego”, que também é uma expressão negativa. Ser cego significa não poder ver; e só pode ser cego aquele que pode ver. Silenciar só pode aquele que pode falar. Imperfeito, portanto, é aquilo que possui uma determinada orientação ontológica pela perfeição. “Imperfeito” significa: aquilo de que ele é enunciado não possui a perfeição que ele poderia, que ele deveria ter, a perfeição que se desejaria que ele tivesse. Com relação à perfeição, falta-lhe algo, esse algo lhe foi tomado, roubado – privare, tal como o a-privativo o diz. Nos gregos, a verdade, para nós o positivo, é expressa negativamente como ἀλήθεια (verdade – desvelamento), enquanto a falsidade, para nós o negativo, é expressa positivamente como ψευδός (falso), ἀλήθεια significa: não estar mais velado, estar descoberto. Essa expressão privativa indica que os gregos tinham uma compreensão de que o não encobrimento do mundo precisa ser primeiro conquistado, que ele é algo que não se acha de início e na maioria das vezes disponível. O mundo está de início fechado, ainda que não completamente; inicialmente, o conhecimento descerrador ainda não avançou em geral de maneira penetrante; o mundo só se acha descerrado na esfera mais próxima do mundo circundante na medida em que os carecimentos naturais o exigem. E precisamente aquilo que talvez estivesse originariamente descerrado na consciência natural em certos limites é na maioria das vezes novamente encoberto e dissimulado por meio da fala. Opiniões solidificam-se em conceitos e proposições, e esses conceitos e proposições são passados adiante, de tal modo que aquilo que tinha sido descerrado originariamente é uma vez mais velado. Assim, o ser-aí cotidiano se movimenta em um duplo encobrimento: de início, no mero desconhecimento, e, em seguida, porém, em um encobrimento muito mais perigoso, na medida em que o descoberto é transformado em não verdade por meio do falatório. No que se refere a esse duplo encobrimento, uma filosofia se vê colocada diante da tarefa de se arremeter algum dia pela primeira vez positivamente em direção às coisas mesmas, e, por outro lado, a assumir ao mesmo tempo a luta contra o falatório. As duas tendências são os impulsos iniciais propriamente ditos do trabalho intelectual de Sócrates, Platão e Aristóteles. Sua luta contra a retórica e a sofistica é a prova disso. A transparência da filosofia grega não é conquistada, portanto, na assim chamada serenidade do ser-aí grego, como se essa transparência tivesse sido dada aos gregos durante o sono. A consideração mais detida de seu trabalho mostra precisamente que empenho foi necessário para que eles atravessassem o caminho até o próprio ser e, ao mesmo tempo, passando pelo falatório. Isso significa, contudo, que não temos o direito de esperar receber as coisas de mão beijada, sobretudo porque estamos sobrecarregados com uma tradição rica e complexa.

O desvelamento é uma determinação do ente, na medida em que ele vem ao encontro. A ἀλήθεια (verdade – desvelamento) não pertence ao ser no sentido de que ele não poderia ser sem o desvelamento. Pois a natureza acha-se presente à vista, mesmo antes de ser descoberta. A ἀλήθεια (verdade – desvelamento) é um caráter ontológico peculiar do ente, na medida em que o ente se encontra em uma relação com uma visão intencional do ente, com um descerrar que se movimenta circunvisivamente no ente, com um conhecer. Por outro lado, contudo, ο ἀληθές (verdadeiro – desvelado) também está no ὂν (no ente) e é um caráter do próprio ser; e, em verdade, na medida em que ser = presença e em que essa presença é apropriada no λόγος (discurso), na medida em que ela “é” nele. O descerrar, porém, em relação ao qual a ἀλήθεια (verdade – desvelamento) “é”, é ele mesmo um ser; e isso não, em verdade, um ser do ente que é inicialmente descerra-do, do mundo, mas um modo de ser do ente que nós designamos como ser-aí humano. Na medida em que o descerrar e o conhecer têm por meta para os gregos a ἀλήθεια (verdade – desvelamento), ele significa para eles, de acordo com aquilo que ele realiza, ou seja, de acordo com a ἀλήθεια (verdade – desvelamento): ἀληθεύειν (desvelar). Não queremos traduzir aqui essa palavra, ἀληθεύειν significa: ser desencobridor, arrancar o mundo ao fechamento e ao encobrimento. E esse é um modo de ser do ser-aí humano.

Esse modo de ser mostra-se inicialmente na fala, no conversar um com o outro, no λέγειν (no dizer). [GA19MAC:15-17]

Rojcewicz & Schuwer

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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