GA19: verdade e ser-aí

Casanova

Antes de Aristóteles enumerar os modos do άληθεύειν (des-velamento), ele diz: αληθεύει ή ψυχή (a alma desvela). Portanto, com efeito, no sentido propriamente dito, a verdade é de qualquer modo uma determinação do ser do próprio ser-aí humano. Pois todo esforço do ser-aí em torno do conhecimento precisa se impor contra o encobrimento do ente, um encobrimento que é de três tipos: 1. Ignorância; 2. Opinião dominante; 3. Erro. É o ser-aí humano, com isso, que é propriamente verdadeiro. Ele é na verdade — se traduzirmos ἀλήθεια (desvelamento) por verdade. Ser verdadeiro, ser-na-verdade, como determinação do ser-aí significa: ter o respectivamente ente, com o qual o ser-aí costuma lidar, à disposição de maneira não encoberta. Aquilo que em Aristóteles é apreendido de maneira mais aguda já tinha sido visto por Platão: ή επ ἀλήθειαν ορμωμένη ψυχή (cf. Sofista 228c lss.),1 a alma se coloca por si mesma a caminho da verdade, do ente, na medida em que ele se acha desencoberto. Por outro lado, diz-se dos oi πολλοί (dos muitos): των πραγμάτων της ἀλήθεια άφεστωτας (as coisas lhes permanecem estranhas). A partir daí vemos que encontraremos em Platão a mesma orientação que em Aristóteles. Precisamos pressupor neles uma posição una em relação às questões fundamentais do ser-aí. Portanto, a alma, o ser do homem, considerada rigorosamente, é aquilo que é na verdade.2

Se permanecermos junto ao sentido de verdade como ser desencoberto, estar aberto, fica claro que verdade significa o mesmo que pertinência à coisa mesma, pertinência essa compreendida como um tal comportamento do ser-aí em relação ao mundo e a si mesmo, no qual o ente se acha presente segundo a coisa mesma. No sentido originário desse conceito de verdade, ainda não temos a objetividade como validade universal, como (24) imperatividade universal. Essa imperatividade não tem nada em comum com verdade. Algo pode ser universalmente válido e, de qualquer modo, não ser verdadeiro. A maioria dos preconceitos e das obviedades são tais validades universais, que se distinguem pelo fato de encobrir o ente. Inversamente, precisamente aquilo que não é compreensível para qualquer um, mas apenas para um singular, pode ser verdadeiro. Nesse conceito de verdade, por conseguinte, na verdade do desencobrir, ainda não se acha previamente julgado o fato de o desencobrir propriamente dito precisar ser necessariamente o conhecimento teórico ou uma determinada possibilidade do conhecimento teórico, por exemplo, a ciência ou mesmo a matemática; como se a matemática como a mais rigorosa de todas as ciências também fosse a mais verdadeira, e como se verdadeiro fosse apenas aquilo que equivaleria ao ideal de evidência da matemática. A verdade, o desvelamento, o ser de-sencoberto, orienta-se (retifica-se) muito mais pelo ente mesmo, e não por um determinado conceito de cientificidade. É isso que reside na tendência do conceito grego de verdade. Por outro lado, precisamente essa interpretação grega da verdade levou a que se visse no conhecimento teórico o ideal propriamente dito de conhecimento e a que se orientasse (retificasse) todo conhecimento pelo conhecimento teórico. Como é que isso aconteceu é algo que não temos como acompanhar aqui mais detidamente; só queremos deixar claro para nós agora as raízes dessa possibilidade. (p. 23-24)

Rojcewicz & Schuwer

  1. Na medida em que as citações gregas, com base no estilo pedagógico das preleções de Heidegger, divergem do texto original, colocaremos as indicações das passagens entre parênteses com o adendo “cf”. (N.E.)[↩]
  2. Ver anexo.[↩]
  3. Hereafter, when the Greek quotations deviate from the original text, on account of Heidegger’s pedagogically oriented lecture style, the citation will be marked with a “cf.”[↩]
  4. See the appendix.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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