GA16 (Spiegel) – a relação filosofia-ciências

Pelo que vejo, não há um único pensador que esteja em condições de perscrutar, pelo pensamento, o mundo na sua totalidade, de forma a poder dar indicações práticas – e isto até mesmo em relação à sua missão de encontrar de novo uma base para o próprio pensamento. O pensar já está sobrecarregado simplesmente com o tomar a sério a grande tradição; quanto mais não estaria se, além disso, se atribuísse a si próprio o pôr-se a dar orientações dessa ordem. Com que autoridade procederia assim? No âmbito do pensamento não há proposições de autoridade. A única medida para o pensamento vem dada pela própria coisa a pensar. Mas isso é o que mais problemático é. Para tornar compreensível esta contextura seria, sobretudo, necessária uma meditação sobre a relação filosofia-ciências, cujos êxitos técnico-práticos fazem parecer cada vez mais supérfluo um pensar no sentido do filosófico. A difícil situação em que se encontra o pensar no que diz respeito à sua missão própria reflecte-se, por isso, numa estranheza perante o pensar, que é alimentada precisamente pela posição de força das ciências, e que nega necessariamente a possibilidade de uma resposta às perguntas práticas relativas à visão do mundo.

(“Já só um Deus nos pode ainda salvar”. Entrevista concedida por Martin Heidegger a revista alemã Der Spiegel em 23 de Setembro de 1966 e publicada no n° 23/19761. Tradução e notas de Irene Borges-Duarte)