- Lopes Vieira
- Anderson & Freund
Lopes Vieira
Se intentarmos meditar o que a celebração de hoje nos sugere, observaremos que nossa época se encontra ameaçada pela perda do enraizamento. Perguntamos então: o que acontece propriamente nesta época? O que a caracteriza?
A época que agora começa se tem denominado ultimamente de a era atômica. Sua característica mais aparente é a bomba atômica. Porém este sinal é muito superficial, pois que posteriormente nos damos conta de que a energia atômica pode também ser proveitosa para fins pacíficos. Por isso, hoje a física atômica e seus técnicos estão, em toda parte, tornando efetivo o aproveitamento pacífico da energia atômica mediante planejamentos de largo alcance. As grandes associações industriais dos países influentes, liderados pela Inglaterra, já calcularam que a energia atômica pode chegar a ser um negócio gigantesco. Vêem o negócio atômico como a nova felicidade. E a ciência atômica não se mantém à margem dessa expectativa. Proclama publicamente esta felicidade. Desse modo, no mês de julho deste ano, dezoito titulares do prêmio Nobel reunidos na ilha de Mainau declararam literalmente em um manifesto: “A ciência, ou seja, a ciência natural moderna — é um caminho que conduz a uma vida humana mais feliz”.
O que há nesta afirmação? Nasce de uma meditação? Pensa alguma vez nos vestígios do sentido da era atômica? Não. No caso de que nos deixemos satisfazer pela afirmação citada, a respeito da ciência, permaneceremos distanciados o máximo possível de uma meditação acerca da época presente. Por que? Porque esquecemos do refletir. Porque esquecemos do perguntar. Ao que se deve que a técnica científica tenha podido descobrir e pôr em liberdade novas energias naturais?
Deve-se a que, desde alguns séculos, o fato de ocorrer uma revolução em todas as representações cardeais (massgebenden Vorstellungen). O homem se translada, dessa forma, para uma outra realidade. Esta revolução radical de nosso modo de ver o mundo se consuma na filosofia moderna. Daí nasce uma posição totalmente nova do homem no mundo e com respeito ao mundo. Agora o mundo aparece como um objeto ao qual o pensamento calculador dirige seus ataques, aos quais nada doravante deve poder resistir. A natureza se converte, desse modo, em uma única estação gigantesca de combustível, em fonte de energia para a técnica e para a indústria modernas. Esta relação fundamentalmente técnica do homem em relação ao mundo como totalidade se desenvolveu, em primeiro lugar, no século XVII, e, além disso, na Europa e somente nela. Semelhante relação permaneceu durante muito tempo desconhecida nas demais partes da terra, como também, fora de todo estranha às anteriores épocas e destinos dos povos.
O poder oculto na técnica moderna determina a relação do homem com o que é. Este poder domina a terra inteira. Com isso, o homem começa então a se afastar dela para penetrar no espaço cósmico. Em apenas duas décadas foram descobertas fontes atômicas tão gigantescas que, em um futuro previsível a demanda mundial de energia de qualquer espécie estará satisfeita para sempre. A provisão imediata das novas energias já não dependerá de países determinados ou de continentes, como é o caso do carvão, do petróleo e da madeira dos bosques. Em um tempo previsível se poderão construir centrais nucleares em cada lugar da terra.
Sendo assim, a pergunta fundamental da ciência e da técnica contemporânea já não reza: de onde se obterão as quantidades suficientes de carburante e combustível? A pergunta decisiva é agora: de que modo poderemos dominar e dirigir as inimagináveis magnitudes de energia atômica e assegurar assim para a humanidade que estas energias gigantescas não se desloquem muito bruscamente — mesmo que sem propósitos beligerantes — e venham a explodir em algum lugar aniquilando tudo?
Caso se alcance o domínio sobre a energia atômica, e se alcançará, começará então um desenvolvimento inteiramente novo do mundo técnico. O que hoje conhecemos como técnica cinematográfica e televisiva; como técnica do tráfego, especialmente a técnica aérea; como técnica de notícias; como técnica médica; como técnica de meios de nutrição, representa, presumivelmente, tão somente um grosseiro estado inicial. Ninguém pode prever as radicais transformações que se aproximam. Todavia, o desenvolvimento da técnica se efetuará cada vez com maior velocidade e não poderá ser detido em parte alguma. Em todas as regiões da existência o homem estará cada vez mais estreitamente cercado pelas forças dos aparatos técnicos e dos autômatos. Os poderes que, em todas as partes e em todas os momentos, desafiam, acorrentam, arrastam e acossam o homem sob alguma forma de utilização constante de utensílios técnicos ou no âmbito da instalação técnica, estes poderes há muito tempo que já não se encontram sob o alcance da vontade e da capacidade de decisão humanas, isto porque não foram feitos pelo homem.
Mas também é característico do novo modo, no qual se dá o mundo técnico, o fato de que seus sucessos sejam conhecidos e publicamente admirados pelo caminho mais rápido. Assim, hoje todo o mundo pode ler o que se diz sobre o mundo técnico em qualquer revista conduzida com competência, como também pode ouví-lo pelo rádio. Porém… uma coisa é ter ouvido ou lido algo, isto é, ter meramente notícia disto ou daquilo, outra coisa é reconhecer o ouvido ou o lido, isto é, deter-se em pensá-lo.