GA14:82-85 – clareira e aletheia

Ernildo Stein

(…) Quer seja experimentado aquilo que se presenta, quer seja compreendido e exposto ou não, sempre a presença, como o demorar-se dentro da dimensão do aberto, permanece dependente da clareira já imperante. Mesmo o que se ausenta não pode ser como tal, a não ser que se desdobre na livre dimensão da clareira.

Toda a Metafísica, inclusive sua contrapartida, o positivismo, fala a linguagem de Platão. A palavra fundamental de seu pensamento, isto é, a exposição do ser do ente, é eidos, idea: a aparência na qual se mostra o ente como tal. A aparência, porém, é um modo de presença. Nenhuma aparência sem luz — Platão já o reconhecera. Mas não há luz alguma, nem claridade sem a clareira. Mesmo a sombra dela necessita. Como poderíamos, de outra maneira, penetrar na noite e por ela vagar. Na Filosofia, contudo, permanece impensada a clareira como tal que impera no ser, na presença, ainda que em seu começo se fale da clareira. Onde acontece isto e com que nome é evocado? Resposta:

No poema filosófico de Parmênides, o qual, ao menos na medida de nossos conhecimentos, foi o primeiro a meditar sobre o ser do ente, o que ainda hoje, mesmo que não se lhe dê ouvido, fala nas ciências, nas quais a Filosofia se dissolveu.

Parmênides ouve a exortação:

. . . chreó dé se pánta puthésthai emèn Aletheíes eukyklêos atremès êtor edè brotõn dócsas, tais ouk éni pistis alethés. (Fragmento I, 28 ss.)

“tu, porém, deves aprender tudo: tanto o coração inconcusso do desvelamento em sua esfericidade perfeita como a opinião dos mortais a que falta a confiança no desvelado.”

Aqui é nomeada a Aletheia, o desvelamento. Ela é chamada de perfeitamente esférica porque girando na pura circularidade do círculo, na qual, em cada ponto, começo e fim coincidem. Desta rotação fica excluída toda possibilidade de desvio, de deformação e de ocultação. O homem que medita deve experimentar o coração inconcusso do desvelamento? Refere-se a este mesmo no que tem de mais próprio, refere-se ao lugar do silêncio que concentra em si aquilo que primeiramente possibilita desvelamento. E isto é a clareira do aberto. Perguntamos: abertura para quê? já consideramos que o caminho do pensamento, tanto o pensamento especulativo quanto o intuitivo, necessita da clareira que pode ser percorrida. Nela, porém, reside também a possibilidade do aparecer, isto é, a possibilidade de a própria presença presentar-se.

O que o desvelamento, antes de qualquer outra coisa, garante, é o caminho no qual o pensamento persegue a este único e para o qual se abre: hópos éstin, . . .einai: o fato de que o presentar se presenta. A clareira garante, antes de tudo, a possibilidade do caminho em direção da presença e possibilita a ela mesma o presentar-se. A Aletheia, o desvelamento, devem ser pensados como a clareira que assegura ser e pensar e seu presentar-se recíproco. Somente o coração silente da clareira é o lugar do silêncio do qual pode irromper algo assim como a possibilidade do comum-pertencer de ser e pensar, isto é, a possibilidade do acordo entre presença e apreensão.

Somente nesta aliança se baseia a possibilidade de atribuir ao pensamento verdadeira seriedade e compromisso. Sem a experiência prévia da Aletheia como a clareira, todo discurso sobre a seriedade ou o descompromisso do pensamento permanece infundado. De onde recebeu a determinação platônica da presença como idea sua legitimação? De que ponto de vista é legítima a explicitação aristotélica da presença como energeia?

Estas questões, das quais a Filosofia tão estranhamente se abstém, nem mesmo podem ser colocadas por nós, enquanto não tivermos experimentado o que Parmênides deveu experimentar: a Aletheia, o desvelamento. O caminho que conduz até lá separa-se da estrada em que vagueia a opinião dos mortais. A Aletheia não é nada de mortal, assim como não o é também a própria morte.

Se traduzo obstinadamente o nome Aletheia por desvelamento, faço-o não por amor à etimologia, mas pelo carinho que alimento para com a questão mesma que deve ser pensada, se quisermos pensar aquilo que se denomina ser e pensar de maneira adequada à questão. O desvelamento é como que o elemento único no qual tanto ser como pensar e seu comum-pertencer podem dar-se. A Aletheia é, certamente, nomeada no começo da Filosofia, mas não é propriamente pensada como tal pela Filosofia nas eras posteriores. Pois desde Aristóteles a tarefa da Filosofia como metafísica é pensar o ente como tal ontoteologicamente.

Beaufret & Fédier

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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