GA12:103-106 – Vazio, ser e sentido do ser

Schuback

P — O vazio é então a mesma coisa que o nada, isto é, o vigor que procuramos pensar como o outro de toda vigência e de toda ausência?

J — De certo. É por isso que no Japão logo entendemos a conferência O que é metafísica? que nos chegou em 1930, numa tradução (88) feita por um estudante japonês, seu ouvinte. Ainda hoje estranhamos que os europeus pudessem ter caído na armadilha de interpretar niilisticamente o nada discutido na conferência. Para nós, o vazio é o nome mais elevado para se designar o que o senhor quer dizer com a palavra ser…

P — num esforço de pensamento, cujos primeiros passos ainda hoje são inevitáveis. Sem dúvida, foi um esforço que gerou muita confusão, confusão que se funda na própria coisa e se relaciona com o emprego da palavra “ser”. Pois o termo pertence, propriamente, ao acervo da linguagem metafísica embora eu o tenha utilizado como título, no esforço por deixar aparecer a essência da metafísica dentro de seus limites.

J — É este o sentido de superação da metafísica?

P — Somente este, nem destruição, nem mesmo negação da metafísica. Pretendê-lo seria pueril e uma degradação da história.

J — À distância, estranhamos sempre que se tenha atribuído ao senhor uma recusa e rejeição da história do pensamento até hoje vigente. Para nós, o senhor visa somente a uma apropriação originária da história

P — cujo êxito se pode e se deve discutir.

J — O fato dessa discussão ainda não ter encontrado uma trilha adequada resulta, além de outros motivos, sobretudo, da confusão instaurada pelo sempre ambíguo uso da palavra “ser”.

P — O senhor tem razão. Estranho é que se tenha atribuído posteriormente essa confusão ao meu próprio esforço de pensar. Em sua caminhada, esse esforço faz claramente uma distinção entre “ser” como “ser dos entes”, e “ser” como “ser em seu próprio sentido”, isto é, em sua verdade (clareira).

J — Por que então o senhor não abandona logo a palavra “ser” e não a deixa exclusivamente para uso da metafísica? Por que não deu um outro nome ao que o senhor procurava como “o sentido do ser”, seguindo o caminho da essência do tempo?

P — Como se pode dar um nome específico ao que ainda se procura? Todo achar e encontrar repousa no apelo da linguagem nomeadora.

(89) J — Nessas condições, deve-se suportar a confusão.

P — Realmente. Talvez ainda tenhamos que suportá-la por muito tempo, na condição indispensável de nos empenharmos em des-fazê-la com todo o cuidado.

J — É que somente um empenho assim pode nos levar para a liberdade.

P — O caminho até lá, no entanto, não é construído como se constrói uma estrada. O pensamento gosta de construir, eu quase diria, de maneira milagrosa, o seu caminho.

J — Neste tipo de construção, os construtores devem, às vezes, voltar para os trechos já edificados ou até mesmo para antes deles.

P — Eu admiro o quanto o senhor percebe o modo de ser dos caminhos do pensamento.

J — Dispomos de uma longa experiência. Essa não se transformou porém numa metodologia conceituai que destrói toda a vitalidade dos passos do pensamento. Ademais, o senhor mesmo me deu oportunidade de ver com maior nitidez o caminho de seu pensamento.

P — Como assim?

J — Embora ultimamente o senhor venha fazendo economia da palavra “ser”, há pouco tempo a usou de novo num contexto que me parece inclusive o mais essencial de seu pensamento. Na Carta sobre o humanismo, o senhor chama a linguagem de “casa do ser”. Ainda hoje, no início da conversa, o senhor se referiu a esta formulação. Mas, ao lembrar, tenho de dizer que nossa conversa se afastou muito de seu caminho.

P — É o que parece. Na verdade, estamos prestes a entrar em seu caminho. (p. 87-89)

Fédier

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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