GA11:38-42 – homem e ser

Ernildo Stein

Se compreendermos o pensar como a característica do homem, então refletimos sobre um comum-pertencer que se refere a homem e ser. No mesmo instante nos surge a questão: que significa ser? Quem ou o que é o homem? Qualquer um vê facilmente que, sem a suficiente resposta a estas perguntas falta-nos o chão em que possamos decidir algo seguro sobre o comum-pertencer de homem e ser. Contudo, enquanto questionarmos desta maneira ficamos presos à tentativa de representar a comunidade de homem e ser como uma integração e de dispor esta ou a partir do homem ou a partir do ser e assim explicitá-la. Nisto os conceitos tradicionais de homem e ser formam os pontos de apoio para a integração de ambos.

E que seria se nós, em vez de continuamente representarmos uma coordenação de ambos, para refazer sua unidade, prestássemos uma vez atenção se e como nesta comunidade está, antes de tudo, em jogo um recíproco-pertencer? Existe até a possibilidade de entrever, ainda que à distância, o comum-pertencer de homem e ser já na determinação tradicional de sua essência. Até que ponto?

O homem é manifestamente um ente. Como tal, faz parte da totalidade do ser, como a pedra, a árvore e a águia. Pertencer significa aqui ainda: inserido no ser. Mas o elemento distintivo do homem consiste no fato de que ele, enquanto ser pensante, aberto para o ser, está posto em face dele, permanece relacionado com o ser e assim lhe corresponde. O homem é propriamente esta relação de correspondência, e é somente isto. “Somente” não significa limitação, mas uma plenitude. No homem impera um pertencer ao ser; este pertencer escuta ao ser, porque a ele está entregue como propriedade. E o ser? Pensemos o ser em seu sentido primordial como presentar. O ser se presenta ao homem, nem acidentalmente nem por exceção. Ser somente é e permanece enquanto aborda o homem pelo apelo. Pois somente o homem, aberto para o ser, propicia-lhe o advento enquanto presentar. Tal presentar necessita o aberto de uma clareira e permanece assim, por esta necessidade, entregue ao ser humano, como propriedade. Isto não significa absolutamente que o ser é primeira e unicamente posto pelo homem. Pelo contrário, torna-se claro.

Homem e ser estão entregues reciprocamente um ao outro como propriedade. Pertencem um ao outro. Deste pertencer-se reciprocamente homem e ser receberam, antes de tudo, aquelas determinações de sua essência, nas quais foram compreendidas metafisicamente pela filosofia.

Este preponderante comum-pertencer de homem e ser é por nós teimosamente ignorado enquanto tudo representarmos em sequências e mediações, seja com ou sem dialética. Então encontramos apenas encadeamentos que ou são urdidos por iniciativa do ser ou do homem e apresentam o comum-pertencer de homem e ser como entrelaçamento.

Não penetramos ainda no comum-pertencer. Como, porém, acontece uma tal entrada? Pelo fato de nos distanciarmos da atitude do pensamento que representa. Este distanciar-se se verifica como um salto. Ele salta, afastando-se da comum representação do homem como animal rationale, que na modernidade tornou-se sujeito para seus objetos. O salto distancia-se ao mesmo tempo do ser. Este, entretanto, é interpretado desde os primórdios do pensamento ocidental como fundamento em que todo o ser do ente se funda.

Para onde salta o salto, se se distancia do fundamento? Salta num abismo (sem-fundamento)? Sim, enquanto apenas representarmos o salto e isto no horizonte do pensamento metafísico. Não, enquanto saltamos e nos abandonamos. Para onde? Para lá onde já fomos admitidos: ao pertencer ao ser. O ser mesmo, porém, pertence a nós; pois somente junto a nós pode ele ser como ser, isto é, pre-sentar-se.

Assim, pois, torna-se necessário um salto para se experimentar o comum-pertencer de homem e ser, propriamente. Este salto é a subitaneidade da entrada não mediada naquele pertencer cuja missão é dispensar uma reciprocidade de homem e ser e instaurar a constelação de ambos. O salto é a súbita penetração no âmbito a partir do qual homem e ser desde sempre atingiram juntos a sua essência, porque ambos foram reciprocamente entregues como propriedade a partir de um gesto que dá. A penetração no âmbito desta entrega como propriedade dis-põe e harmoniza a experiência do pensar. Estranho salto, que provavelmente nos convencerá que ainda não nos demoramos bastante ali, onde propriamente já estamos. Onde estamos nós? Em que constelação de ser e homem? (Pensadores, 1999, p. 177-178)

Cortés & Leyte

Préau

Joan Stambaugh

Original

  1. Denn nur bei uns kann es als Sein wesen, d. h. an-wesen.[↩]
  2. Einkehr, avec la nuance de « rentrée en soi-même ».[↩]
  3. Heidegger’s term is “Wesen.” It is used in the verbal meaning of φύσις rather than the more static meaning of nature or essence. (Tr.)[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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