Dastur (1998:133-136) – Geviert

detalhe

Para pensar a não substancialidade e a pertença essencial do Quatro (Geviert), Heidegger, tal como Fink, recorre ao conceito de jogo, que implica uma relação dinâmica entre os diferentes elementos: “A este jogo que nos faz aparecer, ao jogo de espelhos da simplicidade da terra e do céu, chamamos “o mundo”. O mundo é na medida em que joga este jogo. Isto significa que o jogo do mundo não pode ser explicado por outra coisa, nem a sua essência pode ser apreendida a partir de outra coisa” (GA7). Nesta concepção cosmológica e não metafísica do mundo como um ser último que não se funda em mais nada, é preciso sublinhar que o ser humano desempenha sempre um papel importante. Os mortais fazem parte do mundo e, como tal, são inseparáveis dos outros três elementos. Mas fazem-no como mortais, isto é, como seres capazes de morte, e não como simples viventes (GA7). Isto leva-nos de volta à Carta sobre o Humanismo, onde Heidegger declara que a metafísica não pensa na humanitas do homem, mas apenas na sua animalitas, mesmo quando vê na razão ou no espírito a diferença específica do homem (GA9). A metafísica define o homem como um ser entre outros e considera-o como um ente separado sem poder ver nele o que constitui a dignidade do seu ser, nomeadamente a sua participação no processo de desvelamento. Para pensar o Da-sein como ser com participação no advento do ser, temos que pensar o homem como ser para a morte, como mortal, e não como razão ou espírito, ou seja, como participante, através de uma parte de si, do eterno. Mas o que significa “ser capaz de morrer”? Heidegger explica, na sua conferência de 1951 intitulada “Construir, habitar, pensar”: “Os mortais são homens. Chamam-se mortais porque podem morrer. Morrer significa ser capaz de morte enquanto morte. Só o homem morre, morre continuamente, enquanto habitar na terra, sob o céu, diante dos deuses” (GA7). A existência humana como participação no mundo é uma morte contínua, não uma “vida”. O que é que significa morrer continuamente, existir como mortal no sentido em que Heidegger já o entendia em Ser e Tempo [SZ:245: “A morte é um modo de ser que o Dasein assume logo que é”]]? Significa deixar a morte ter poder sobre nós, existir em relação ao fim do nosso Dasein, pensar o Dasein tendo como pano de fundo o fato de já não ser Dasein. Significa considerar a morte como a possibilidade extrema, isto é, como a única possibilidade absolutamente inatingível, e assim tomar consciência da nossa passividade em relação a nós próprios, daquilo que faz de nós outra coisa que não sujeitos. É esse, o fato de não sermos mestres do ser, que constitui a humanitas do homo humanus e, ao mesmo tempo, torna o mundo possível.

original

  1. GA7:EC, p. 213-214. Je me permets de renvoyer ici à mon livre Hölderlin, le Retournement natal, La Versanne, Encre marine, 1997, p. 144 sq.[↩]
  2. Ibid., p. 214.[↩]
  3. Ibid., p. 212-213.[↩]
  4. GA9:LH, p. 55-56.[↩]
  5. Cf. GA7:EC p. 177.[↩]
  6. Cf. SZ, p. 245 : « La mort est une manière d’être que le Dasein assume aussitôt qu’il est. »[↩]
  7. Cf. GA7:EC, p. 213.[↩]
  8. M. Heidegger, Bremer et Freiburger Vorträge, GA79, Frankfurt am Main, Klostermann, 1994, p. 47. (Je souligne.)[↩]
  9. Ibid., p. 48-49.[↩]
  10. Ibid., p. 49.[↩]
  11. Cf. « Contribution à la question de l’être » in Questions I, op. cit., p. 232.[↩]
  12. GA7:EC, p. 216.[↩]
  13. EC, p. 197.[↩]
  14. Cf. M. Heidegger, Hölderlins Hymnen »Andenken« (cours du semestre d’hiver 1941-1942), Frankfurt am Main, Klostermann, 1982, GA Band 52, p. 100 : « Nous nommons ajointement l’être dans lequel tout étant se déploie » (Die Fuge nennen wir das Seyn, worin alles Seiende west).[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

Designed with WordPress