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Pela diferença instaurada entre o eu e o si, Heidegger parte em demanda disso que tornará o si aquilo que lhe é próprio (eigen); estabelece a ipseidade em seu Eigentlichkeit. Ora, este ser-si-mesmo-propriamente revela o si como aquele que, impregnado de ser, designa para o ser como para seu fundo. Este fundo o domina e no entanto o si, que é Da-sein, aí tem acesso: sabe o que o abre a si, embora sendo projetado nesta estrutura que o sobrepaira e o produz. Esta estrutura aparece assim como um ato de apropriação (Er-eignis), aquele do ser que, em vendo o si à sua própria ipseidade, o envia igualmente a ele mesmo ser — de um abismo a outro. O ser se dá assim como este Eignen em que todas as estruturas existenciais postas em relevo por Sein und Zeit encontram sua fonte doadora.
É nesta articulação fundamental ente o Eigen e o Eignen que se desvelam, nos parece, a unidade e a coerência do pensamento heideggeriano a partir dos quais a questão da subjetividade busca a possibilidade de um enriquecimento. Frequentemente prolongou-se uma tradição interpretativa que vê no pensamento heideggeriano um empreendimento de “destruição” do sujeito; mas esta famosa “Destruktion” que Heidegger sempre entendeu em um sentido positivo — mais precisamente, no sentido de um remoção camada por camada, ou de uma desconstrução fazendo aparecer os elementos aglutinados ao longo dos tempos em conceitos tão usados quanto usuais, e devendo ser, por esta razão, desencravados ou liberados deles mesmos —, esta Destuktion, longe de negar a subjetividade, a funda. E esta fundação não pode ser precisamente obtida a não que se remova as estruturas acumuladas umas sobre as outras e que dissimulam a ela mesma a origem essencial da subjetividade.
A subjetividade (o eu) aparece então como o resultado da atividade fenomenalizante da ipseidade (o si) que, como Dasein pré-compreendendo o ser, pode nativamente se proporcionar o ente visível, em seguida deve se aproximar da impulsão condicionante embora invisível do ser em que todas as coisas são vistas a fim de manifestá-la como Ereignis em que o ser se dá em se dando um si para que haja ser. A origem da subjetividade, sob todas as suas formas, em todos seus avatares e todas suas estruturas, é o ser confirmado como Ereignis. O pensamento do Ereignis não é o distanciamento de imaginação de um filósofo envelhecendo: como o atestam os manuscritos de Heidegger, ele aparece em suas mais explícitas implicações menos de dez anos após a aparição de Sein un Zeit, em um homem em plena força da idade, e se apresenta como o que a obra de 1927 busca e finalmente conquista segundo os delineamentos mesmos previstos pelo plano exposto ao fim de sua introdução (a saber: uma leitura da história da metafísica da subjetividade segundo o fio condutor do tempo, leitura que alcança à formulação da retomada do si pelo ser no Ereignis).
Caron
(Excerto de CARON, Maxence. Heidegger. Pensée de l’être et origine de la subjectivité. Paris: CERF, 2005, p. 13-14).