Brague (1988:44-46) – somos mundo, jamais aí entramos

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(…) Os gregos pensam na totalidade do que está presente, mas deixam de lado a totalidade da própria presença. A experiência da totalidade do estar presente e a experiência da totalidade como caraterística fundamental da presença do presente são duas. Com este último termo, refiro-me ao fato, suficientemente simples de observar, de que nunca estamos, nem podemos estar, meio presentes ao mundo, ou, inversamente, de que o mundo nunca está meio presente para nós. Mesmo que nunca percebamos tudo o que é sensível, mesmo que “não possamos pensar em tudo”, mesmo, portanto, que o que está presente seja suscetível de mais ou de menos, a própria presença do presente nunca é partilhada. Estar no mundo não significa estar no meio das coisas que constituem a totalidade do que é, mas sim estar “totalmente” entre o que é. Porque estamos no mundo de um modo “total”, nunca estivemos em relação com o mundo num exterior a partir do qual teríamos penetrado no seu interior. Pelo fato de estarmos no mundo de uma forma total, nunca estivemos, de certa forma, “no mundo”. Podemos ver o que nos afasta a cem léguas da Gnose, e mesmo de qualquer mito da preexistência e da queda da alma: o mistério a desvendar não é o de como viemos a entrar no mundo, mas o de como nunca entrámos nele, de como sempre-já estivemos no mundo. É este o fenômeno que os gregos parecem não ter pensado.

original

[BRAGUE, Rémi. Aristote et la question du monde. Paris: PUF, 1988]

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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