GA6 – vontade de poder é …

Essa decisão deve ser fundamentada por meio da seguinte reflexão: vontade de poder é devir, o ser é tomado aqui como devir; essa é a antiga doutrina de Heráclito do fluxo universal das coisas, que é também a doutrina propriamente dita de Nietzsche. GA6MAC I

Com certeza, não se pode dizer agora que a doutrina nietzschiana da vontade de poder é dependente de Leibniz ou Hegel ou Schelling, a fim de interromper com essa constatação toda e qualquer consideração ulterior. “ GA6MAC I

[…] vontade de poder é, então, vontade de vontade, ou seja, querer é: querer a si mesmo. GA6MAC I

2) Para apreender o conceito nietzschiano de vontade é particularmente importante o seguinte: se, segundo Nietzsche, a vontade como vontade de poder é o caráter fundamental de todo ente, então não podemos nos referir em meio à determinação da essência da vontade a um ente determinado, também não a um modo de ser particular, a fim de explicar a partir daí a essência da vontade. GA6MAC I

Já sabemos agora – ao menos aproximadamente – que o que está em jogo em meio à pergunta sobre a vontade de poder é a pergunta sobre o ser do ente, sobre o que não é mais determinável a partir de um outro ente porque ele mesmo determina esses entes. GA6MAC I

No caso presente, Nietzsche diz com uma boa razão que a vontade de poder é a forma originária de afeto; ele não diz simplesmente que ela é um afeto, apesar de frequentemente encontrarmos essas formulações em suas apresentações superficiais e defensivas. GA6MAC I

Em que medida a vontade de poder é a forma originária de afeto, ou seja, em que medida ela é aquilo que constitui absolutamente o ser do afeto? O que é um afeto? Nietzsche não dá quanto a isso nenhuma resposta clara e exata, assim como não responde à pergunta sobre o que é uma paixão e o que é um sentimento. GA6MAC I

Como Nietzsche diz que o querer é um querer-para-além-de-si, ele pode dizer em vista desse estar-para-além-de-si-no-afeto que a vontade de poder é a forma originária do afeto. GA6MAC I

Se é verdade que a vontade de poder é o caráter fundamental de todo ente e se Nietzsche determina agora a vontade como um sentimento paralelo de prazer, então essas duas concepções da vontade não são sem mais compatíveis. GA6MAC I

Daí podemos dizer: vontade de poder é sempre vontade essencial. GA6MAC I

Apesar de Nietzsche não formular as coisas expressamente dessa maneira, é isso no fundo que tem vista; pois, de outro modo, não se conseguiria compreender o que ele sempre menciona no contexto da acentuação do caráter de intensificação da vontade – o “plus de poder”: que a vontade de poder é algo criador. GA6MAC I

E se no interior da tarefa de interpretação conjunta de todo acontecimento como vontade de poder é atribuída por Nietzsche uma posição insigne à arte, então a pergunta sobre a verdade desempenha, precisamente nesse caso, um papel preponderante. GA6MAC I

Mas sabemos agora: vontade de poder é essencialmente um criar e um destruir. GA6MAC I

No entanto, vontade de poder é aquela base sobre a qual futuramente todas as avaliações devem ser estabelecidas: o princípio da nova avaliação em contraposição ao que se tinha até aqui. GA6MAC I

No entanto, a vontade de poder é como o eterno retorno. GA6MAC I

Como autoafirmação, porém, a vontade de poder é um criar constante; por conseguinte, a arte é questionada em vista do que nela é o elemento criativo, a superabundância ou a falta. GA6MAC I

No entanto, como o caráter fundamental do ente, como a essência da realidade, a vontade de poder é, em si, aquele ser que quer a si mesmo, na medida em que quer ser o devir. GA6MAC I

O ano 1885 encerra ainda anotações (XVI, 415) nas quais é dito claramente o que Nietzsche compreende pela “vontade de poder” que assume agora o primeiro plano do trabalho: “vontade de poder é o último fato ao qual se pode aceder.” GA6MAC II

Seu curso de pensamento até a vontade de poder é a antecipação daquela metafísica pela qual a modernidade autoconsumadora é suportada em seu acabamento. “ GA6MAC III

Se a vontade de poder é o pensamento essencial e único de Nietzsche, então o título do Livro III nos dá imediatamente um esclarecimento importante sobre o que é a vontade de poder, sem que já concebamos, com isso, a sua essência propriamente dita. GA6MAC III

Como tal, a vontade de poder é o princípio de uma nova instauração de valores. GA6MAC III

Se o pensamento da vontade de poder é o primeiro pensamento, ou seja, se ele é, em termos hierárquicos, o mais elevado pensamento de Nietzsche, e, com isso, da metafísica ocidental, então só encontraremos esse pensamento metafísico primeiro e derradeiro atravessando aqueles caminhos que o próprio Nietzsche, o pensador desse pensamento, percorreu. GA6MAC III

Se a vontade de poder é o caráter fundamental de todos os entes, ele precisa ser “alcançado”, na medida em que se pensa esse pensamento, em todas as regiões do ente: na natureza, na arte, na história, na política, na ciência e no conhecimento em geral. GA6MAC III

Se o pensamento nietzschiano da vontade de poder é o pensamento fundamental de sua filosofia e da metafísica ocidental, então a essência do conhecimento, isto é, a essência da verdade, precisará ser determinada a partir da vontade de poder. GA6MAC III

A determinação metafísica do ser como vontade de poder permanece impensada em seu conteúdo decisivo e se torna uma presa da incompreensão, enquanto o ser só é posto como poder ou como vontade e a vontade de poder é explicada no sentido de uma vontade enquanto poder ou de um poder enquanto vontade. GA6MAC IV

Se a vontade de poder é o caráter essencial da entidade do ente, então ela precisa pensar o mesmo que o eterno retorno do mesmo pensa. GA6MAC IV

No eterno retorno do mesmo, a essência intrínseca ao fim da história e característica da última intepretação metafísica da entidade como vontade de poder é concebida de tal modo que fracassa toda possibilidade de a essência da verdade se tornar o que há de mais digno de questão. GA6MAC IV

No entanto, como o caráter fundamental do ente na totalidade, a vontade de poder é, ao mesmo tempo, a determinação da essência do homem. GA6MAC V

Se a vontade de poder é experimentada expressamente como o fundamento da possibilidade da verdade, então a verdade é concebida e configurada como uma função da vontade de poder (como justiça), então o niilismo extremo enquanto niilismo ativo transforma-se em niilismo clássico. GA6MAC V

O caráter visualizador e perceptivo da vontade de poder é aquilo que Nietzsche denomina o seu caráter “perspectivo”. GA6MAC V

Por conseguinte, a vontade de poder é em si o olhar voltado intencionalmente para o mais-poder; o olhar voltado intencionalmente para… é o canal de visão e de percepção constitutivo da vontade de poder: a per-spectiva. GA6MAC V

O ente efetivamente real determinado em sua realidade efetiva pela vontade de poder é respectivamente um entrelaçamento de perspectivas e instaurações de valores, uma conformação de um “tipo complexo”; isso, porém, acontece porque a própria vontade de poder é de uma essência complexa. GA6MAC V

Por que a vontade de poder é em si instauradora de valores? Por que o pensamento valorativo se torna dominante juntamente com o pensamento da vontade de poder? Como e por que a metafísica se transforma na metafísica da vontade de poder? Para vislumbrar a amplitude dessas questões, precisamos levar em consideração o que significa o domínio do pensamento valorativo na metafísica. GA6MAC V

Enquanto a essência do poder, a vontade de poder é o único valor fundamental, o valor segundo o qual tudo aquilo que ou bem deve ter valor ou bem não pode requisitar valor algum é avaliado. “ GA6MAC V

O quão inequivocamente o projeto da entidade como representidade procura desdobrar a essência dessa entidade e não sabe nada sobre uma vontade de poder é comprovado pela doutrina kantiana da objetividade dos objetos. GA6MAC V

A conexão histórico-essencial entre a energeia e a vontade de poder é mais velada e mais rica do que poderia parecer segundo a correspondência externa entre “energia” (força) e poder. GA6MAC V

Isso quer dizer: a vontade de poder é o caráter fundamental do ente enquanto tal. GA6MAC VI

Só a vontade de poder é vontade, a saber, de poder no sentido do poder para o poder. GA6MAC VI

vontade de poder é superpotencialização do poder. GA6MAC VI

Enquanto apoderamento para a superpotencialização, a vontade de poder é marcada por uma visão prévia e transversal – Nietzsche diz: “perspectivística”. GA6MAC VI

Como o ser do ente enquanto vontade de poder é em si esse entrelaçamento, as condições da vontade de poder, isto é, os valores, permanecem ligadas a “conformações complexas”. GA6MAC VI

Na medida em que a vontade de poder é o entrelaçamento alternante entre conservação de poder e elevação de poder, toda conformação de domínio trans-passada pelo vigor da vontade de poder permanece constante enquanto algo que se eleva, mas inconstante enquanto algo que se conserva. GA6MAC VI

Segundo a sua essência mais íntima, a vontade de poder é um contar pers-pectivístico com as condições de sua possibilidade, condições que ela mesma estabelece enquanto tais. GA6MAC VI

Se o pensamento valorativo transforma-se em fio condutor para a meditação histórica sobre a metafísica como o fundamento da história ocidental, então isso significa inicialmente o seguinte: a vontade de poder é o único princípio da instauração de valores. GA6MAC VI

No momento em que a vontade de poder é concebida expressamente e assumida explicitamente como fundamento e medida de toda instauração de valor, o niilismo encontra o caminho para o interior de sua essência afirmativa, superando e compreendendo a sua incompletude e, assim, se consumando. GA6MAC VI

Ser e devir só se inserem aparentemente em uma contradição porque o caráter de devir da vontade de poder é, em sua essência mais íntima, eterno retorno do mesmo, e, com isso, a constante dotação de consistência ao que é desprovido de consistência. GA6MAC VI

Por isso, a vontade de poder é a subjetividade incondicionada, e, porque ela é a subjetividade invertida, ela também é pela primeira vez a subjetividade consumada – uma subjetividade que esgota ao mesmo tempo a essência da incondicionalidade por força de uma tal consumação. GA6MAC VI

A subjetividade consumada da vontade de poder é a origem metafísica da necessidade essencial do “além-do-homem”. GA6MAC VI

[…] vontade de poder é representação instauradora de valores. GA6MAC VI

O que mistura, porém, o modo como a vontade de poder é chama-se no poema “o eterno desvairado”, a “roda do mundo, a girar”. GA6MAC VIII

A unidade de vontade de poder e eterno retorno do mesmo significa: a vontade de poder é, em verdade, a vontade de vontade, em cuja determinação a metafísica da subiectidade (cf p 350 e segs) alcança o ápice de seu desdobramento, isto é, a sua consumação. GA6MAC VIII

A época do velamento do ser no desvelamento do ente do tipo da vontade de poder é a época da pobreza consumada do ente enquanto tal. GA6MAC VIII

 

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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