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mundus

quarta-feira 24 de janeiro de 2024

Esta carga semântica de kosmos   que se inicia no Novo Testamento, mostra-se então de maneira inconfundível, por exemplo, em Agostinho   e Tomás de Aquino  . De um lado, significa mundus, segundo Agostinho, a totalidade do que foi criado. Mas com a mesma frequência mundus está em lugar de mundi habitatores. Este termo tem, por sua vez, o específico sentido existencial de dilectores mundi, impii, carnales. Mundus non dicuntur iusti, quis licet carne in eo habitent, corde cum Deo sunt [Agostinho, Opera (Migue), tomo IV. 1842]. Agostinho deve ter tirado este conceito de mundo, que então co-determinou a história espiritual do ocidente, tanto de Paulo como do Evangelho de São João. Para prova disto sirva a seguinte passagem extraída do Tractatus in Joannis Evangelium. Agostinho dá à passagem de São João (prólogo) 1, 10 en to kosmo en, kai ho kosmos di’autou egeneto, kai to kosmos auton ouk egno, uma interpretação de mundus em que demonstra que o uso duas vezes repetido de mundus, em "mundus per ipsum factus est" e "mundus eum non cognovit", é feito com duplo sentido. No primeiro significado mundo designa eus creatum. A segunda significação de mundus quer dizer o habitare corde in mundo como amare mundum, o que é igual a non cognoscere Deum.

No contexto o teor é o seguinte: Quid   est, mundus factus est per ipsum? Coelum, terra, mare et omnia quae in eis sunt, mundus dicitur. Iterum alia significatione, dilectores mundi mundus dicuntur. Mundus per ipsum factus est, et mundus eum non cognovit. Num enfim coeli non cognoverunt Creatorem suum, aut non cognoverunt Creatorem suum sidera, quem confitentur daemonia? Omnia undique testimonia perhibuerunt. Sed qui non cognoverunt? Qui amando mundum dicti sunt mundus. Amando enfim habitamos corde: amando autem, hoc appellari meruerunt quod ille, ubi habitabant. Quomodo dicimus, mala est illa domus, aut, bons est illa domus, non in illa quam dicimus malam pariets accusamus, aut in illa, quam dicimus bonam, parietes laudamus, sed malam domum: inhabitantes maios, et bonan domum: inhabitantes bonos. Sic et mundum, ipsi enfim corde habitant in mundo. Nam qui non diligunt mundum, carne versantur in mundo, sed corde inhabitant coelum [Tract., II, cap. 1, n. II., tomo III, 1393]

Mundo significa, por conseguinte: o ente em sua totalidade e, na verdade, enquanto o decisivo como, de acordo com qual o ser-aí humano se manifesta ao ente e com ele se relaciona. Do mesmo modo Tomás de Aquino usa mundus uma vez com a significação igual à universum  , universitas creaturarum; mas, ao lado disto, também com o significado de saeculum (mentalidade mundana) quod mundi nomine amatores mundi significantur. Mundanas (saecularis) é aqui antônimo de spiritualis. [Cf., p. ex. Suma Teológica II , qu. CLXXXVIII, a 2, ad. 3; dupliciter aliquis potest esse in saeculo: uno modo per praesentiam corporalem, alio modo per mentis affectum.]

Sem nos determos no conceito de mundo em Leibniz  , lembremos a determinação de mundo da metafísica escolástica. Baumgarten define: mundus (universum, pan  ) est series (multitudo, totum) actualium finitorum, quae non est pars alterius [Metafísica, ed. II, 1743, § 354, p. 87]. Mundo é aqui identificado com a totalidade do que subsiste, e, na verdade, no sentido de ens creatum  . Isto, porém, diz: a concepção da noção de mundo depende da compreensão e da possibilidade das provas da existência de Deus. Isto se torna particularmente claro em Chr. A. Crusius, que define assim o conceito de um mundo: "um mundo significa uma real junção de coisas finitas, a qual, por sua vez, não é novamente uma parte de outra, da qual faria parte por meio de uma real junção". [Esboço das necessárias verdades da razão, na medida em que se contrapõem às contingentes. Leipzig, 1745, § 350, p. 657] O mundo é, por conseguinte, oposto a Deus mesmo. Mas ele também é distinto de uma "criatura individual", e não menos de "múltiplas criaturas que são ao mesmo tempo" e que não possuem nenhum "encadeamento"; e finalmente distingue-se também o mundo de um tal conceito compreensivo de criaturas "que é apenas uma parte de um outro com o qual está em encadeamento real". [Ibidem, § 349, p. 654 ss.]

O que, porém, constitui as determinações essenciais de um tal mundo deve poder derivar-se de uma dupla fonte. Em cada mundo deve, de um lado, subsistir "aquilo que decorre da essência geral das coisas". De outro, tudo aquilo que "se reconhece como necessário na posição de certas criaturas, a partir das propriedades essenciais de Deus". [Ibidem, § 348, p. 653] Por isso também a "doutrina do mundo" é, no conjunto da metafísica, posta após a ontologia (a doutrina da essência e das distinções mais gerais das coisas em geral) e a "teologia natural teorética". Mundo é, por conseguinte, o nome que exprime a região da suprema unidade encadeada da totalidade do ente criado.

Se, desta maneira, o conceito de mundo faz o papel de uma noção fundamental da metafísica (da cosmologia racional como disciplina da metaphysica specialis), e se a Crítica da Razão Pura de Kant  , porém, expõe uma fundamentação da metafísica em sua totalidade [Cf. sobre isto: Kant e o Problema da Metafísica, 1929], então deve, aqui, o problema do conceito de mundo receber uma forma modificada, correspondente à transformação da ideia da metafísica. Sobre isto exige-se, porém, tanto mais, uma indicação ainda que, sem dúvida, muito breve, quanto mais certo é que irrompe, ao lado da significação "cosmológica" de "mundo", na antropologia de Kant, novamente a significação existencial, liberta, é claro, da específica coloração cristã. [MHeidegger SOBRE A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO]