Página inicial > Gesamtausgabe > GA89 (2021:813-816) – conceito

GA89 (2021:813-816) – conceito

domingo 18 de fevereiro de 2024, por Cardoso de Castro

[…] O que significa, então, conceito? A palavra latina para conceito é conceptus. Nela reside o verbum   capere = pegar, pegar junto. Os gregos, que não eram manifestamente tão incapazes assim no pensamento, ainda não conheciam o “conceito”. Não seria, portanto, nenhuma vergonha, caso se fosse hostil ao conceito. Como as coisas se mostram junto aos gregos? Por meio do que um conceito é fixado como conceito? Por meio de uma definição. O que é uma definição? A mesa, por exemplo, é definida como uma coisa de uso. Coisa de uso é, então, uma determinação geral. Também copo e lapiseira são coisas de uso. Uma definição, portanto, fornece de saída a determinação mais geral e mais elevada subsequente, o gênero. Para determinar a mesa como o objeto de uso, que ela é, precisa ser indicado a que uso ela serve. A indicação desse uso particular em diferença em relação à utilidade de lapiseira e copo é denominada diferença específica. Definitio per genus proximum (objeto de uso) et differentiam specificam (mesa) [1]. Na definição, enuncia-se sobre o ente ou sobre o objeto algo universal e algo particular. Esse enunciado é um modo como o objeto ou o ente é limitado ou tem seu limite expandido em face de outro ente, a mesa em relação ao copo e à lapiseira, por exemplo.

Definição significa em grego ὁρισμός  . Trata-se da mesma palavra que o nosso horizonte, isto é: o limite do campo de visão, delimitação, circunscrição pura e simples. Isso que mais tarde é denominado conceito, ou seja, em grego simplesmente λόγος, aquilo que precisa ser atribuído ao respectivo ente como um ente dotado de tal e tal aparência como seu εἶδος, sua aparência. Essa atribuição é um deixar ver (ἀποφαίνεσθαι), não um pegar e abarcar representacional.

Em oposição ao λόγος reside na palavra latina conceptus sempre um procedimento do ser humano em relação ao ente.

A lógica diferencia, então, tipos de conceitos. Ela conhece conceitos, que são hauridos da experiência, por exemplo, o conceito mesa. Este é um conceito empírico. A causalidade não é, dito em termos kantianos, nenhum conceito a priori  , nenhum conceito empírico, mas um conceito a priori. Isto é, ele não é conquistado a partir da experiência, mas haurido a partir da subjetividade. No estado da nossa meditação, seria difícil mostrar de maneira mais detalhada por que via Kant   conquista sua tábua das [813] categorias e justifica a validade das categorias. Goethe   diz nas Máximas e reflexões (1106), que causa e efeito formam o “conceito mais inato” [2].

Toda formação conceitual é uma espécie de representação, um trazer-para-diante-de-si.

Quando eu digo “árvore”, algo se torna presente para mim, algo é por mim re-presentado. Eu não viso por árvore nenhum carvalho, nenhuma faia, nenhum abeto, mas uma “árvore”. O que se mostra aí? Diz-se que a formação conceitual aconteceria por meio de abstração. Conquista-se por meio de uma abstração efetivamente o elemento distintivo de um conceito? Abstração significa de qualquer modo subtração. O que é subtraído? As propriedades particulares são subtraídas, o específico, o que torna um carvalho um carvalho, um abeto um abeto. Mas como se chega por meio do mero subtrair a um conceito?

S. [Resposta do doutor Willi]: Toma-se o comum e o particular é deixado de lado.

H.: Sim, mas de que maneira os senhores conquistam o universal? Manifestamente, isso não pode ser alcançado por meio de meras abstrações. Eu só posso, contudo, subtrair algo de algo, quando eu já tenho e já se encontra fixado aquilo de que deve ser abstraído, subtraído.

S. [Resposta do doutor G.]: É preciso primeiro comparar todas as árvores umas com as outras.

H.: A comparação também não se mostra como suficiente, abstraindo do fato de que nenhum ser humano consegue perceber todas as árvores. Pois se eu comparo algo com algo, por exemplo, uma tília com o carvalho, então eu os comparo sempre com vistas ao fato de que são árvores. Mas o caráter “árvore” eu não conquisto por meio de comparação, mas por meio do ter apreendido o universal “árvore”. A apreensão daquilo que uma “árvore” é já é sempre pressuposto na comparação das árvores umas com as outras. Ela é pressuposta como aquilo em direção ao que eu preciso dirigir o olhar, para que eu possa pela primeira vez comparar tílias e carvalhos em geral, a saber, como árvores. Todos os senhores, contudo, já sabiam enquanto meninos o que é uma árvore, já tinham disso uma pré-compreensão. O universal “árvore” é o mesmo idêntico, que é desde o princípio representado junto a toda e qualquer árvore, representação essa em cuja base eu posso pela primeira vez conhecer algo como uma árvore. Esse [814] mesmo é apreendido segundo a doutrina da lógica por meio da reflexão, no sentido de que o idêntico é explicitado. Em verdade, eu aprendo a apreender o mesmo idêntico — de saída não reflexivamente explicitado — por meio da linguagem. A visão do si mesmo idêntico possibilita pela primeira vez a percepção das diversas árvores enquanto árvores. Na denominação das coisas, na interpelação discursiva do ente enquanto isto e aquilo, isto é, na linguagem, toda formação conceito já está prelineada.

Segundo essa explicitação apenas insinuada da conceptualidade do conceito impõe-se a questão de saber se, afinal, em geral tudo precisaria ser conceitualmente apreendido ou se não haveria um limite para a apreensão conceitual. Em meio à explicitação da formação conceitual, nós dissemos justamente que, na comparação dos casos multiplamente dados, exemplos teriam concomitantemente participação. Com isso, tomaria parte concomitantemente da formação dos conceitos a abstração de particularidades — das árvores particulares, por exemplo —, mas que seria, contudo, normativa para a formação conceitual a retenção do identicamente mesmo.

Como se encontram as coisas, então, em relação a essa identidade? Idêntico é algo, que é o mesmo consigo mesmo. Há, assim, coisas peculiares, que só se consegue apreender, quando se deixa que elas se doem por elas mesmas enquanto tais. Só posso fazer enunciados negativos sobre a identidade. Eu posso, por exemplo, dizer que ela não seria igualdade. Positivamente, só posso dizer: identidade é identidade. Este é, em um sentido autêntico, uma tautologia. Há, portanto, coisas no pensar, onde o conceito não apenas fracassa, mas às quais ele não pertence de maneira alguma. Por isso, a acusação de hostilidade conceitual é uma acusação perigosa para o crítico. Poderia ser que eu pensasse precisamente, então, de maneira materialmente justa, se eu me imiscuísse nas coisas, que não admitem uma determinação conceitual; se eu me entregasse, portanto, a coisas, que resistem a toda e qualquer concepção conceitual, a toda apreensão, a todo arremeter-se-em-direção-a-elas e querer-abarcá-las, coisas para as quais eu só posso apontar. Só se pode “ver” ou não “ver” tais coisas em um sentido “figurado”. Nós “só” podemos remeter, apontar para elas. Esse “apenas” não visa nenhuma falha. Ao contrário, o aperceber-se assim configurado tem o primado c a prioridade ante toda formação conceitual, na medida em que essa formação se baseia constantemente por fim em um tal aperceber-se.

Trata-se, portanto, de uma alternativa completamente superficial, quando se afirma que haveria apenas ou bem um pensar conceitual ou bem um vivenciar vago e sentimental. Há algo ainda diverso, que reside antes de todo conceber e de todo vivenciar. A fenomenologia tem a ver com esse outro, que reside antes de todo conceber e [815] vivenciar.Nós precisamos naturalmente compreender de maneira correta o peculiar da fenomenologia e tomar cuidado para não interpretar mal a fenomenologia como uma entre outras “correntes” e escolas da filosofia.


Ver online : Zollikoner Seminare [GA89]


[HEIDEGGER, Martin. Seminários de Zollikon. Organizado por Peter Trawny. Traduzido por Marco Casanova. Rio de Janeiro: Via Verita, 2021]


[1Normalmente, a sentença é pura e simplesmente atribuída à filosofia medieval (escolástiea) e reconduzida à Tópica de Aristóteles (103 b 15 et seq.) ou à Metafísica (1037b29) et seq.)

[2GOETHE. Máximas e reflexões, op. cit., p. 186