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O conceito maduro de autenticidade [Eigentlichkeit = propriedade] de Heidegger desenvolve-se de uma forma diferente dos elementos subjetivos de Ser e Tempo. Este trabalho inicial considerou a questão do sentido do Ser através da análise do Ser do eu autêntico; uma abordagem que sofre de dois tipos de subjetivismo. Em primeiro lugar, foi influenciada pela noção da filosofia transcendental da “subjetividade do sujeito”. Ocasionalmente, Ser e Tempo implicava que a temporalidade, a ausência necessária para os entes estarem presentes, era uma projeção do Dasein humano. Mais tarde, Heidegger insistiu que a temporalidade (ausência) está intrinsecamente ligada ao Ser (presença). A temporalidade humana, portanto, deve ser entendida como um aspecto da “temporalidade do Ser”. A história humana é condicionada pela história do Ser enquanto tal. Em segundo lugar, o conceito anterior de autenticidade enfatizava excessivamente o papel desempenhado pela determinação, vontade e coragem individuais na revelação da verdade. Muitos leitores de Ser e Tempo ficaram com a impressão de que autenticidade significava “auto-realização”. Apesar desta ênfase nas “obras”, no entanto, Ser e Tempo também sustentou que a determinação é principalmente uma resposta ao apelo da consciência. A consciência é o chamado do próprio Ser do Dasein para se abrir para o Ser como tal. Nos seus últimos escritos, Heidegger sublinhou que a autenticidade ou abertura surge inesperadamente como uma espécie de dádiva. No entanto, continuou a defender que é necessária coragem para aceitar esta dádiva. Para ultrapassar os elementos subjetivos da sua obra anterior, Heidegger começou a falar de Ereignis, um conceito que descreve as relações entre a verdade (não ocultação), o Ser (presentificação) e o Dasein. A ideia de Ereignis é relativamente livre do antropocentrismo implícito na afirmação anterior de que o Ser ocorre apenas na medida em que o Dasein humano existe. A “compreensão” do Ser pelo homem é apenas uma das formas pelas quais o Ser se manifesta. Ereignis tem pelo menos três sentidos.
Em primeiro lugar, Ereignis refere-se ao jogo auto-organizador da Natureza, no qual os entes estão constantemente a aparecer e a desaparecer, a revelar-se e a esconder-se. Como a ciência da ecologia tem tentado mostrar nos últimos anos, tudo na Natureza está inter-relacionado. Os micróbios manifestam-se como alimento para os insetos; os insetos, por sua vez, aparecem como alimento para os pequenos animais que aparecem como alimento para os maiores. Quando os animais maiores morrem, decompõem-se em micróbios — alimento para os insetos, e o ciclo recomeça. As interações complexas e dinâmicas da Natureza demonstram que o jogo do revelar/ocultar acontece independentemente da vida humana. No entanto, sem o Homem, este jogo não se manifestaria. Em termos mais familiares: sem o Homem, a Natureza não teria consciência de si própria. O segundo significado de Ereignis é que o homem é apropriado (ver-eignet) como a clareira ou ausência na qual o jogo cósmico se pode manifestar. Tal como a ausência cósmica (o tempo-mundo, o nada auto-revelador) permite que os entes naturais saiam da inconsciência e apareçam uns aos outros, também a ausência humana (a temporalidade) permite que este acontecimento cósmico (Ereignis) se revele. A temporalidade humana é uma modalidade específica da temporalidade cósmica. Atualmente, o homem está alheio ao seu papel de consciência do espetáculo cósmico. Só quando se liberta da sua compreensão subjetivista do Ser é que se pode abrir para o Ereignis. O terceiro significado de Ereignis, então, é o homem ser autenticamente apropriado (eigentlich vereignet) para o jogo cósmico.