Zarader (2000:90-91) – o pensamento

Perante a concepção dominante, em que consiste então a «experiência» impensável? No caminho traçado pelo curso de 1952 (GA8), é balizada por duas palavras, que permitem esclarecer o radical Denken: a memória (Gedächtnis) e o reconhecimento do sentido de agradecimento (Dank). Mas tratasse aqui apenas, do quadro mais geral. Queria dentro deste quadro, restabelecer as principais determinações do pensamento segundo Heidegger, para mostrar a sua articulação.

1. O pensamento não é nem um comportamento do homem, nem uma faculdade do sujeito, que lhe permitiría virar-se para… Aquilo que desde a origem condiciona, é o Outro, aquilo que Heidegger designa de pensável, e que define como aquilo que «dá» de pensar1.

2. Pelo facto de supor este Outro, o pensamento é estruturado, como linguagem, sob forma de acolhimento. Visto que Outro constitui o pólo activo do pensamento, uma vez que se destina a nós — e desta forma, chama-nos —, cumprir o pensamento será receber esse Outro, olhar por ele. E, se o pensável permanece tão difícil de pensar («ainda não pensamos»…), é que só nos chama escondendo-se. O pensamento é então o acolhimento de um Outro que se retira e que, através dessa retirada e, por essa retirada mesmo, reivindica-a2.

3. Se aquilo que nos leva a pensar não é um presente nem um sendo, se só nos faz sinal através da plenitude da sua ausência, é então constantemente espiado pelo perigo do esquecimento. É precisamente pelo pensável retirar-se, que é indispensável lembrar-se dele. Pensar, será então guardar a memória. Memória que também (90) é redefinida por Heidegger, à luz daquilo que ainda era a velha palavra Gedanc, onde se estende o eco da Gemüt·, a alma recolhida sobre si. Na memória vista desta forma, não se trata de ter uma recordação determinada, mas de existir inteiramente no mundo da fidelidade3.

4. Fidelidade para com o quê? Para aquilo que nos chama, para essa voz silenciosa do ser que fala da língua.

Razão pela qual o pensamento, que se tornou pensamento fiel (An-denken), será indissociavelmente memória do dom e cuidado com as palavras onde esse dom é apanhado. Pensar, é estar à escuta da língua para nos lembraremos do ser.

5. Visto que essa dação é que permite ao próprio pensamento na sua essência, receber o dom, é então a memoria de uma graça, ou seja reconhecimento. Reconhecimento abissal, que não permanecería nos limites de uma qualquer «proporcionalidade», visto que consiste em comemorar não um dom qualquer, mas sim a sua própria possibilidade. Pensar é dar graças a todo o momento4.

[ZARADER, Marlène. A Dívida Impensada. Heidegger e a Herança Hebraica. Lisboa: Instituto Piaget, 2000]
  1. WhD, pp. 2-3, 85 (Qu’appelle-t-on…, 22-24, 136).[]
  2. Ibid., pp. 4-6 (25-28).[]
  3. Ibid., pp. 6-8, 92 (29-30, 145-146).[]
  4. Ibid., pp. 93-95 (147-150).[]