Zarader (2000:129-131) – Erklärung – Erläuterung – Erörterung

Primeiro a definição. É balizada por três vocábulos chave, que só encontram a sua ressonância no alemão: die Erklärung (a explicação), die Erläuterung (a elucidação ou o esclarecimento), die Erörterung (a situação)1.

A explicação é o modo de pensamento dominado pelo princípio da razão, modo de pensamento que encontra o seu pleno desenvolvimento na ciência moderna, mas que já reina secretamente na metafísica. Na medida em que está como onto-teo-logia, funde o sendo no seu ser, e o ser num sendo supremo, é toda a procura metafísica do fundamento que pode estar, a bem dizer, assente na explicação ôntica: torna-se «uma técnica de explicação das causas supremas»2.

Mas é com certeza a explicação que visa dar conta e razão de tudo, só pode por isso mesmo — falhar naquilo que essencialmente se revela e ao qual não saberíamos dar razão: aquilo que escapa a qualquer «fundamento»3.

É a razão pela qual, Heidegger opõe-se a este pensamento explicativo, próprio da metafísica, um outro pensamento que não pretende — subindo a cadeia das causas e dos efeitos — dominar a coisa, mas sim recebê-la, deixá-la vir 4. E visto que só vem na sua (129) palavra, este outro pensamento irá necessariamente estender-se sob forma de escuta, irá então apresentar-se como uma hermenêutica. É ela que designa os dois termos Erläuterung e Erörterung.

Porquê dois termos? Porque a linguagem oferece-nos num só gesto duas coisas: aquilo que diz e aquilo que não diz; o formulado e o não formulado5. A interpretação que tenta esclarecer o formulado na sua diversidade, irá chamar-se Erläuterung. Aquela que pretende situar o não-formulado na sua unidade (que está sempre protegida pela diversidade do dito) chama-se Erörterung. Os dois modos de interpretação não estão então, em relação de sucessão (como se um abolisse o outro), mas relembrariam sobretudo as duas faces de uma medalha, ou as duas vertentes de um vinco: supõem-se uma à outra, tal como o diz o reenvio ao não dito e o pensamento ao impensável6.

Essas relações entre Erörterung e Erläuterung estão claramente expostas pelo próprio Heidegger. Relembramos o contexto desta exposição. Desde a primeira página da conferência sobre Trakl — justamente chamada «eine Erörterung seines Gedichtes»7 —, Heidegger distingue entre os poemas especiais (einzelme Dichtungen), na sua rica diversidade e o Poema8 único (das einzige Gedicht) que permanece por formular, mas que não deixa de ser a «origem da onda», a verdade daquilo que reconhecemos como «ritmo». É este não formulado, que uma vez recolhido constitui o «local» (Ort) para o qual a situação irá tender (Erörterung). Como ascender a esse local? A partir de poemas especiais. O Erläuterung permitirá esclarecê-los, enquanto o Erörterung irá questionar a unidade secreta que está reservada neles.

Isso quer dizer, que o local (do Poema) é por direito anterior aos lugares que concede (os poemas na sua diversidade); mas o intérprete, esse não pode poupar um movimento de vai e vem entre ambos. «Uma boa elucidação pressupõe já a situação. É só a partir do local do Poema, que resplandecem e ressoam os poemas especiais. Inversamente, uma situação do Poema necessita já de um percurso precursor através de uma primeira elucidação sobre poemas especiais9.» E nesse «jogo de trocas», entre Erläuterung e Erörterung que Heidegger vê o essencial do «diálogo» entre pensamento e poesia10 — o pensamento reconduzindo o dito do poeta ao não dito, que é o seu «local» e que só ele, como pensamento pode «situar». (130)

Mas se os dois modos de interpretação são por direito indissociáveis, o acento (e o esforço) de Heidegger serão sempre mais no segundo (Erörterung), na medida certa onde o seu pensamento procura sempre mais destacar o não dito e esclarecer o impensável. Nesse sentido, o Erörterung, pode de facto aparecer como sendo a última palavra da interpretação. Como entender exactamente aquilo que se desempenha nesta palavra?

  1. Os dois últimos vocábulos estão claramente definidos por Heidegger, tanto por si como pela sua diferença. Confrontá-los é então natural. Em contrapartida, a sua perspectiva face ao Erklärung — a própria explicação do campo metafísico — não é tão claramente cumprida por Heidegger. Devemos a mesma a O. Pöggeler, que no seu livro La Pensée de M. Heidegger (op. cit., pp. 382-404), consagra uma análise tornada clássica, nas relações entre estes três termos. Esta análise é retomada, nas suas grandes linhas, por G. Vattimo na sua Introduction à Heidegger, trad. fr. de J. Rolland, Paris, ed. du Cerf, 1985, pp. 145-149. Pela minha parte, se me inspiro em Pöggeler, tendo em conta, tal como o faz, o Erklärung, distancio-me um pouco da sua análise dos dois outros vocábulos. Veremos mais longe onde passa a diferença.[]
  2. O. Pöggeler, La Pensée de M. Heidegger, op. cit., p. 385.[]
  3. Cf. ibid., tal como G. Vattimo, Introduction à Heidegger, op. cit., pp. 145-146.[]
  4. Cf. supra, pp. 79-81.[]
  5. Cf., nomeadamente, PLW, GA9:Wgm, p. 201 (Q II, 121).[]
  6. É o primeiro ponto onde me separo de Pöggeler. Ele define muito claramente o Erörterung como salto em direcção do impensável e do informulado (op. cit., pp. 388, 390, etc.); em contrapartida, só concede um lugar mínimo ao Erläuterung (op. cit., p. 387) e não vê, ao que parece, que esta é o contraponto exacto do movimento anterior: é esclarecimento do pensável e do formulado. Pögeller menciona de facto que Heidegger estabelece um elo entre os dois termos (op. cit., p. 388), mas não mostra em que consiste.[]
  7. Era este o título inicial do texto, na sua primeira publicação na revista Merkur, em 1953.[]
  8. Devolvo aqui através de «Poème» (com maiuscula) o alemão Gedicht, que J. Beaufret e W. Brokmeier traduzem por «Dict» ou «Dit» (cf. a nota dos tradutores, em Acheminement vers la parole, op.cit., p. 39).[]
  9. GA5:UzSp, p. 38 (Acheminement…, 42).[]
  10. Ibid.[]