Considerando que já estamos sempre imersos em um mundo pleno de sentido, Heidegger afirma que vivemos dentro de “uma interpretação (Ausgelegtheit) transmitida, retrabalhada ou recém-estabelecida” (GA62:354). Encontramo-nos em uma “situação hermenêutica”, na qual as várias interpretações do passado se cruzam e criam uma abertura para uma intervenção interpretativa ou hermenêutica, a fim de continuar, criticar, rejeitar e, assim, remodelar e reinterpretar nossa própria compreensão dos sentidos passados que nos foram transmitidos. Essa situação hermenêutica não é algo objetivamente dado, como um estado de coisas, mas, ao contrário, algo a ser apreendido, apropriado e projetado no futuro (GA62: 345, 347, especialmente a nota 4). Heidegger observa que toda interpretação reúne três momentos: “a posição de olhar” (Blickstand), a posição real na situação histórica a partir da qual a interpretação começa, ‘o escopo de olhar’ (Blickhabe), significando ‘como o que’ o interpretandum é tomado inicialmente, e ‘a linha de olhar’ (Blickbahn), o campo temático e conceitual no qual o sujeito interpretado deve ser integrado (GA62:345). Em Ser e Tempo, Heidegger mantém essa estrutura tripartite de interpretação, usando novos termos, (377) ou seja, a estrutura anterior composta de uma posição prévia (Vorhabe), visão prévia (Vorsicht) e concepção prévia (Vorgriff) (SZ 151-52). A transparência da situação hermenêutica exige que esses três elementos sejam reconhecidos e possuídos dentro da própria interpretação — e não suprimidos em uma tentativa de encontrar alguma objetividade extra-hermenêutica e sem pressuposições. Para Heidegger, a “interpretação” nunca pode ser uma “tematização sem pressuposições” (SZ 150). Mas a interpretação também precisa ser verificada em relação ao que os fenômenos mostram, a fim de evitar a influência corruptora dos boatos convencionais e da tradição. Esse lado crítico da hermenêutica Heidegger chama de “desconstrução” (Destruktion), observando que é uma parte inseparável da hermenêutica (SZ 19-27; GA24:26-32; GA62:368).
(WRATHALL, Mark A.. The Cambridge Heidegger Lexicon. Cambridge: Cambridge University Press, 2021)