Dito isso, temos que nos perguntar o que é ciência (18). Heidegger primeiro dá uma definição muito externa. Ele diz 1: há ciência quando há institutos nos quais, com a ajuda de aparelhos, a pesquisa é realizada. E ele observa que essa definição não é absurda, que ela se aplica à física, à química e à medicina, e que também há instrumentos nas ciências da mente 2. Esses são os livros. Obviamente, essa definição não é muito satisfatória. Portanto, vamos abandoná-la e dar uma segunda, dizendo que a ciência é uma busca, uma vontade de conhecer com exatidão. A ciência é um conhecimento metódico, exato e geral.
Se aceitarmos essa definição, somos levados a dizer — e é legítimo, até certo ponto, dizê-lo — que haverá ciência quando a matemática for aplicada, já que a matemática parece ter o privilégio da exatidão. As ciências da natureza só serão ciências na medida em que forem capazes de ser matematizadas 3. Uma consequência dessa concepção seria negar o nome de ciência às ciências do espírito.
Mas ainda há a questão de saber se não existem ciências que resistem a essa matematização. A biologia, por exemplo, pode, sem dúvida, ser matematizada até certo ponto. Mas será que a parte essencial da biologia não é a parte que resiste a toda matematização?
Portanto, não podemos dizer que a exatidão é uma definição necessária da verdade científica. Precisamos de uma palavra mais geral do que exatidão. Heidegger (19) sugere a palavra “Strenge”4. Uma ciência será uma ciência quando for um conhecimento rigoroso. Mas veremos que também não podemos nos contentar com isso. No entanto, serão necessárias longas digressões para ver em que sentido devemos abandonar essa concepção de ciência como um método de unir proposições. Isso exigirá uma longa crítica da ideia de verdade…
[WAHL, Jean. Introduction à la pensée de Heidegger. Paris: Livre de Poche, 1998]- GA27, § 9, p. 41 e seguintes[↩]
- Essas são as Geisteswissenschaften, assim chamadas para distingui-las das ciências da natureza, uma distinção feita por W. Dilthey e W. Windelbarid, entre outros[↩]
- Heidegger ilustra esse ponto citando em sua palestra (GA27, p. 43) este famoso texto de Kant: “Agora, eu afirmo que, em qualquer teoria particular da natureza, só se pode encontrar ciência propriamente dita na medida exata em que aí se pode encontrar matemática” (Premiers Principes métaphysiques de la science de la nature, trans. François de Gandt, em Kant, Œuvres philosophiques, “Bibliothèque de la Pleiade”, Gallimard, 1985, t. II, p. 349)[↩]
- “Strenge”: rigor. Essa distinção entre rigor e exatidão é encontrada no início da palestra What is Metaphysics? (GA9) de 1929[↩]