Procuro agora dizer apenas uma palavra preliminar ao encontro. Desejaria ligar o que foi exposto até agora àquilo que afloramos, fazendo referencia a palavra de André Gide sobre os “belos sentimentos”. Philosophía é a correspondência propriamente exercida, que fala na medida em que é dócil ao apelo do ser do ente, O corresponder escuta a voz do apelo. O que como voz do ser se dirige a nós dis-põe nosso corresponder. “Co-responder” significa então: ser dis-posto, être dis-posé, [Disposição (Stimmung) é um originário modo de ser do ser-aí, vinculado ao sentimento de situação (Befindlichkeit) que acompanha a derelicção (Geworfenheift). Pela disposição (que nada tem a ver com tonalidades psicológicas) o ser-no-mundo é radicalmente aberto. Esta abertura antecede o conhecer e o quer e é condição de possibilidade de qualquer orientar-se para próprio da intencionalidade (veja-se Ser e Tempo, § 29). Jogando com a riqueza semântica das derivações de Stimmung: bestimmt, gestimmt, abstirnmen, Gestimnitheit, Bestimmtheit, Heidegger procura tornar claro como esta disposição é uma abertura que determina a correspondência ao ser, na medida em que é instaurada pela voz (Stimme) do ser, O filósofo toca aqui nas raízes do comportamento filosófico, da atitude originalmente do filosofar. (N. do T.)] a saber, a partir do ser do ente. Dis-posé significa aqui literalmente: ex-posto, iluminado e com isto entregue ao serviço daquilo que é. O ente enquanto tal dis-põe de tal maneira o falar que o dizer se harmoniza (accorder) como o ser do ente. O corresponder é, necessariamente e sempre e não apenas ocasionalmente e de vez em quando, um corresponder dis-posto. Ele está numa disposição. E só com base na dis-posição (dis-position) o dizer da correspondência recebe sua precisão, sua vocação. MHeidegger: Que é isto – A Filosofia?
Parece até que levantamos apenas questões históricas. Mas na verdade meditamos o destino essencial da filosofia. Procuramos pôr-nos à escuta da voz do ser. Qual a dis-posição em que ela mergulha o pensamento atual? Uma resposta unívoca a esta pergunta é praticamente impossível. Provavelmente impera uma dis-posição afetiva fundamental. Ela, porém, permanece oculta para nós. Isto seria um sinal para o fato de que nosso pensamento atual ainda não encontrou seu claro caminho. O que encontramos são apenas dis-posições do pensamento de diversas tonalidades. Dúvida e desespero de um lado e cega prossessão por princípios, não submetidos a exame, de outro, se confrontam. Medo e angústia misturam-se com esperança e confiança. Muitas vezes e quase por toda parte reina a ideia de que o pensamento que se guia pelo modelo da representação e cálculo puramente lógicos é absolutamente livre de qualquer disposição. Mas também a frieza do cálculo, também a sobriedade prosaica da planificação são sinais de um tipo de dis-posição. Não apenas isto; mesmo a razão que se mantém livre de toda influência das paixões é, enquanto razão, pre-dis-posta para a confiança na evidência lógico-matemática de seus princípios e regras. [Já em Ser e Tempo (§ 29) se alude à disposição que acompanha a teoria e se afirma que “o conhecimento ávido por determinações lógicas se enraíza ontológica e existencialmente no sentido de situação, característico do ser-no-mundo (p. 138). Apontando para o fato de que a própria razão está pre-dis-posta para confiar na evidência lógico-matemática de seus princípios e regras, Heidegger fere um tabu que os sucessos da técnica ainda mais sacralizam. Mas, desde que Habermas, em seu livro Conhecimento e Interesse (Ed. Shurkamp, Frankfurt a. M. 1968), mostrou que atrás de todo conhecimento existe o interesse que o dirige, que a teoria quanto mais pura se quer mais se ideologiza, pode-se descobrir, nas afirmações de Heidegger, uma antecipação das razões ontológico-existenciais da mistura do conhecimento e interesse. Não há conhecimento imune ao processo de ideologização; dele não escapa nem mesmo o conhecimento científico, por mais exato, rigoroso e neutro que se proclame. (N. do T.)] MHeidegger: Que é isto – A Filosofia?
A correspondência propriamente assumida e em processo de desenvolvimento, que corresponde ao apelo do ser do ente, é a filosofia. Que é isto – a filosofia? somente aprendemos a conhecer e a saber quando experimentamos de que modo a filosofia é. Ela é ao modo da correspondência que se harmoniza e põe de acordo com a voz do ser do ente. MHeidegger: Que é isto – A Filosofia?
A angústia dá-nos uma experiência de ser como o outro com relação a todo ente, suposto que – por causa da “angústia” diante da angústia, quer dizer, na pura atitude medrosa do temor – nós não nos esquivemos, fugindo da voz silenciosa que nos dispõe para o espanto do abismo. Se abandonarmos arbitrariamente o curso do pensamento desta preleção, ao nos referirmos a esta angústia fundamental, se despojarmos a angústia, enquanto disposição de humor instaurada por aquela voz, da referência ao nada, então nos resta apenas a angústia como “sentimento” isolado que podemos distinguir e separar de outros sentimentos, no conhecido sortimento de estados de ânimo vistos psicologicamente. Tomando como guia a simplista diferença entre “em cima” e “embaixo”, podemos registrar, então, as “disposições de humor” nas classes das que elevam e das que deprimem. Sempre haverá presa para a caça entusiasmada de “tipos” e “antitipos” de “sentimentos”, de espécies e subespécies destes “tipos”. Contudo, esta exploração antropológica do homem nunca terá possibilidades de acompanhar o curso do pensamento desta preleção; pois esta pensa a partir da atenção à voz do ser; ela assume a disposição de humor que vem desta voz; esta disposição de humor apela ao homem em sua essência para que aprenda a experimentar o ser no nada. MHeidegger: QUE É METAFÍSICA?
A disposição para a angústia é o sim à insistência para realizar o supremo apelo, o único que atinge a essência do homem. Somente o homem, em meio a todos os entes, experimenta, chamado pela voz do ser, a maravilha de todas as maravilhas: que o ente é. Aquele que assim é chamado em sua essência para a verdade do ser está, por isso, continuamente envolvido, de maneira fundamental, na disposição de humor. A clara coragem para a angústia essencial garante a misteriosa possibilidade [69] da experiência do ser. Pois, próximo à angústia essencial, como espanto do abismo, reside o respeito humilde. Ele ilumina e protege aquele lugar da essência do homem no seio do qual ele permanece familiar no permanente. MHeidegger: QUE É METAFÍSICA?
O pensamento, dócil à voz do ser, procura encontrar-lhe a palavra através da qual a verdade do ser chegue à linguagem. Apenas quando a linguagem do homem historial emana da palavra, está ela inserida no destino que lhe foi traçado. Atingido, porém, este equilíbrio em seu destino, então lhe acena a garantia da voz silenciosa de ocultas fontes. O pensamento do ser protege a palavra e cumpre nesta solicitude seu destino. Este é o cuidado pelo uso da linguagem. O dizer do pensamento vem do silêncio longamente guardado e da cuidadosa clarificação do âmbito nele aberto. De igual origem é o nomear do poeta. Mas, pelo fato de o igual somente ser igual enquanto é distinto, e o poetar e o pensar terem a mais pura igualdade no cuidado da palavra, estão ambos, ao mesmo tempo, maximamente separados em sua essência. O pensador diz o ser. O poeta nomeia o sagrado. Não podemos analisar aqui, sem dúvida, como, pensado a partir do acontecimento Mesen) do ser, o poetar e o reconhecer e o pensar estão referidos um ao outro e ao mesmo tempo separados. Provavelmente o reconhecer e o poetar se originam, ainda que de maneira diversa, do pensamento originário que utilizam, sem, contudo, poderem ser, para si mesmos, um pensamento. MHeidegger: QUE É METAFÍSICA?
Assim, tudo depende de que, em seu tempo oportuno, o pensamento se torne mais pensamento. A isto chega o pensamento se, em vez de preparar um grau maior de esforço, se dirige para outra origem. Então, o pensamento suscitado pelo ente enquanto tal que por isso representa e esclarece o ente, será substituído por um pensamento instaurado pelo próprio ser e por isso dócil à voz do ser. MHeidegger: O RETORNO AO FUNDAMENTO DA METAFÍSICA